segunda-feira, 31 de maio de 2010

Born to be Wild

Dennis Hopper
1936-2010
Começou ao lado de James Dean em "Fúria de Viver", contracenou com Marlon Brando em "Apocalypse Now" e foi dirigido por David Lynch em "Blue Velvet". Encheu a tela em tantos, tantos outros.
Realizou o filme da Liberdade.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

Brandos costumes ou a Modelo e a Dealer

Em Portugal
uma professora quer ganhar uns extras e é apanhada nua numa revista.

Na Colômbia
uma modelo quer ganhar uns extras e é apanhada numa rede de droga.


Foto e história contada no El Mundo.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Ursos, mas pouco

Ontem à noite no Coliseu de Lisboa. Do melhor !
Hoje no Coliseu do Porto.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

... for 32 years before i saw you


[a música vem de 2007, álbum "Boxer", feita em duas partes, de dois minutos e meio cada uma, a dois ritmos e com dois refrões diferentes]

[as imagens de 1966 pertencem ao filme "Masculin Féminin", de J.L. Godard, com Chantal Goya e Jean-Pierre Léaud]

terça-feira, 25 de maio de 2010

40 M. é pouco !*

Ontem



Como é possível não admirar este menino ? A magia que brota do seu pé esquerdo.


E o olhar, ao mesmo tempo embevecido e orgulhoso, d'el Pibe ?


E o relato feito pelo comentador, naquele espanhol açucarado ?


Amo todos.


*Copyright do LC. Grande abraço, meu amigo.

Um Péssimo Serviço ao País

Não é que eu fosse ingénuo ao ponto de pensar que a Comissão Parlamentar de Inquérito ao negócio PT/TVI pudesse mostrar algo diferente no modo de se estar na política em Portugal. Mas o que se passou naquela Sala da AR é mau demais para se ficar calado. E ninguém está virgem.
 
A CPI visava apurar se o Sr. PM tinha mentido ao país quando afirmou desconhecer a existência do negócio, ou, mais pomposamente, qual o grau de ligações que o Estado/Governo era capaz de manter com empresas privadas a fim de poder vir a controlar um órgão da comunicação social.
Bom, para responder a isto não era necessário ter constituído uma CPI.
Alguém duvida que Sócrates tenha mentido ao país ? Nem a minha filha de 4 anos !
E alguém duvida que o Governo, desde que é Governo, oficial ou não oficialmente, tenta controlar a comunicação social ? Também não.

Então, não sendo necessária esta CPI, podia talvez ela ter revelado alguma utilidade.
Não falo do interesse que Pacheco Pereira e João Oliveira tinham em trazer as escutas telefónicas ao PM para a praça pública, mas de outra coisa: de um mínimo de decência. Um mínimo de decência no serviço público. Ou simples respeito pela inteligência dos portugueses.

É certo que o PS anunciou que para esta CPI iria enviar a sua dream team, os seus pesos- pesados. E não nos enganou: o inenarrável Ricardo Rodrigues (sim, o mesmo dos gravadores), o tenebroso Osvaldo Castro, e os aparelhistas Vitalino Canas e Ana Catarina Mendes. Juntos representaram o que há de pior na política nacional.
Desde o início dos trabalhos da Comissão que esta quadra tratou de impedir todos e quaisquer intentos dos demais deputados que pudessem beliscar o chefe. Eles abandonaram a Sala, eles levantaram incidentes de suspeição para mudar de relator, eles interromperam a inquirição de deputados quando estes se encontravam em pleno uso da instância ou, simplesmente, vetaram tudo o que não fosse favorável aos seus objectivos, isto é, que desta CPI não resultasse nada. Uma verdadeira tropa-fandanga.

Alguém (talvez eu) lhes devesse ter dito que não são advogados do Sr. PM, que não estavam ali para proteger o Secretário-Geral do partido das chispas da oposição (que ali o não era), que representam o país, que se encontravam na CPI no exercício de um mandato que lhes foi atribuído pelos cidadãos e que estes querem (como queriam) saber a verdade do que passa nos "tapetes do poder".

Como não foi assim, como não houve decoro ou sequer respeito pelas aparências, tudo não passou, portanto, de uma reles palhaçada. Que envergonha.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Respect

Todos têm que o reconhecer.
Mourinho é diferente. É diferente do portuguesinho habitual, aquele cabisbaixo e sorumbático do fado, da saudade, aquele que chega à final do Campeonato Europeu de Futebol, a jogar em casa, e... perde. Porque há sempre alguma coisa que tem de correr mal. É só esperar que ela venha. Como se o céu nos estivesse sempre para cair em cima da cabeça.
Não sou nada assim. Luta-se sempre. Até ao fim das nossas forças e, depois, logo se vê o que acontece.
Mourinho parece, mas também não é assim.
Mourinho é um homem frio que vive de resultados. É um bom princípio. Em competição interessam, sobretudo, os resultados. E, pelo que tem conseguido, merece respect.
Mas a vida não são só resultados. E no futebol há a paixão. Há Milito, Diego Milito, um puro-sangue argentino que marca golos como se fossem os últimos da sua vida, o oposto de Mourinho, o ponta-de-lança acabado, aquele que mais gosto de ver em campo, uma flecha, astuto, sempre de olho na bola e na baliza, à espera do erro do adversário ou pronto para combinar de primeira com um parceiro de equipa. Mas sempre para a frente. Feliz como um miúdo.

No outro dia ouvi o Miguel Guedes (dos Blind Zero) dizer, num programa de rádio, que Mourinho não é um homem feliz. Nunca será. Tinha eliminado o perfumado Barcelona com um chatíssimo Inter, porque Mourinho queria (mesmo) ser outra vez campeão europeu. Porque ele é que é, primeiro que os jogadores, primeiro que o clube, o campeão europeu, o especial. Todos se lembram de como partiu do FCP. Sem qualquer gratidão. Afinal tinha feito a parte dele. Para quê continuar ?
Para ele o futebol é um contrato. Um trabalho, sem emoção, findo o qual parte para outro. Colecciona clubes e títulos (caramba!) preenchendo um denso curriculum vitae para esfregar na cara de quem sempre duvidou dele próprio.
Mourinho vai continuar a coleccionar títulos e mais títulos. Agora no Real Madrid e logo com outro igual a ele em campo. Falo do Ronaldo, naturalmente.
Mas Mourinho nunca será feliz. Talvez naqueles breves minutos em que ganha mais um campeonato ou uma taça. Mas nunca será feliz, porque não tem paixão. E quando for bem velhinho vai entreter-se em casa, talvez sozinho, a ler as crónicas nos compêndios do futebol. Sobre ele. De como conquistou tudo. Mas sem mudar nada.
E, talvez por isso, porque é um homem frio e sem paixão, o Benfica foi o único clube que (verdadeiramente) o despediu. Porque acabado de ganhar ao Sporting por 3-0, achou logo que era hora de rever as condições do contrato. Mas no Benfica as coisas são diferentes. E ele sentiu-o. Amargamente.... até para nós.

domingo, 23 de maio de 2010

Cadernos Marroquinos - 6º Dia

E Marrakesh !, a cidade com que todos sonhávamos. A cidade da alegria, como alguém lhe chamou. A cidade que nos deixa cativos.

Foram precisas onze horas para fazer os 450 kms que nos separavam de Marrakesh. Quando saímos de M’Hamid achámos que, naquele dia, a distância não seria um problema. E não foi, realmente. Como viemos sempre a rodar ao volante, não deu para cansar. Já estavamos numa fase em que delegávamos o cansaço naquele que ia a conduzir e no co-piloto de apoio. A responsabilidade era deles. Todos os que seguiam atrás aproveitavam o tempo da viagem como podiam, conversando, dormitando ou fumando alguma coisa.

Antes de chegarmos a Zagora, a primeira cidade depois de apanharmos o trilho que no passado era a rota para as caravanas de camelos dos tuaregues, deparámo-nos com a estonteante visão do glorioso oásis do Vale do Dráa.
Tudo o que cerca o Dráa é deserto, árido e absolutamente desprovido de vida. Montanhas cor tijolo sob um sol inclemente. Tudo seco. Tudo pedra. Tudo rocha. Mas, bem no meio do Vale, um intenso e fulminante verde palmeiral enche de calma a região. De repente, sentimo-nos seguros e tranquilos. Não é ali que vamos morrer.
Conduzi entre Zagora, onde parámos para abastecer, e a assombrosa Ait-Benhaddou, dona da mais bela kasbah de Marrocos e que a todos deixa calados de espanto. Grandiosa na suas muralhas de terra que coroam a colina e classificada como Património da Humanidade. Lembro ao João Tiago que foi ali que se filmou o “Lawrence da Arábia”. O Ordep louco pelas fotografias que ia tirando.
Percorremos em silêncio o seu interior. Sentimo-nos como na Idade Média. É o ano 1421 da Hégira. Uns vendedores de cerâmica, ao verem a Sara, oferecem-nos mil camelos por ela. Delicadamente, recusámos.

Prosseguimos viagem até chegarmos a Marrakesh.
Estava um sol fortíssimo no terraço do Hotel Foucauld, o primeiro em que nos instalámos. Tomei um duche fantástico e retemperador. Desde Fés que não lavava o corpo integralmente. Estava ansioso por me perder nos souks labirínticos da medina avermelhada que vão dar à Jemaa el-Fna, a praça mais bonita que há no mundo. A praça que foi a praça dos executados.
São um povo alegre. Os sorrisos rasgados, que exibem dentes amarelos e doentes, apaixonam. Mas como também nos perseguem, a todos os que são estrangeiros, e aos dirhams que levamos no bolso, é preciso saber lidar com isso, ouvi-los ou afastá-los. E tem de se aprender rapidamente quando vale a pena regatear, porque, uma vez naquele jogo, é muito difícil sair. E temos de estar preparados para perder. Tem que se ser firme quando se diz não e nunca voltar atrás, mesmo que se perca o negócio. Mostrar-lhes a cara, falar-lhes com a cara e, se possível, os dentes.
Por outro lado, nunca uma cidade caótica me pareceu tão ordenada. Tudo circula e pedala. Tudo, sem atropelos.
Caiu a noite e fomos para o centro da praça onde já estavam montadas várias dezenas de longas mesas que a preenchiam. Prontas para servirem para o chá e doses maciças de tajines e kebabs. Vêem-se charlatões e vendilhões, encantadores de serpentes, malabaristas e outros artistas.
Um miudito aproxima-se de nós para trocar umas pulseirinhas de fio por umas moedas. Dizia que tinha fome. A Sara comove-se e encosta-se ao ombro do Ordep. O rapaz, talvez não percebendo a razão daquela súbita tristeza, foi chamar o Afonso que, inspirado pelo que via, fazia também um espectáculo de malabarismo com umas garrafitas em plena Jemaa el-Fna. Queria que ele alegrasse a Sara. Conseguiu.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Aos vossos lugares


Chega hoje a Festa do Cinema Italiano, numa edição cada vez mais alargada a outras cidades do país.  Porto, Coimbra e Abrantes.
Para além do calor brutal que rebentou na cidade (a lembrar Roma), e que faz apetecer ir para uma esplanada beber alguma coisa a seguir ao filme, na Graça, no "Adamastor" ou em tantos outros telhados de Lisboa.
Hoje, em ante-estreia, passa o Vincere, no Monumental, de Marco Bellocchio, e conta uma história desconhecida de Mussolini.
Outros três filmes chamaram-me a atenção:

Good Morning Aman, de Claudio Noce (2ª feira, dia 24),
Cosa Voglio di Più, de Silvio Soldini (5ª feira, dia 27), e
Mine Vaganti, de Ferzan Ozpetek (6ª feira, dia 28).

                                        "... io che pensavo all'amore eterno
                                         e lui che voleva solo l'avventura
                                         con l'attrice..."
                                         L. Bozé, La Signora senza Camelie

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Trem Azul

A Trem Azul é a melhor loja de discos de jazz de Lisboa.
Aliás, nos tempos que correm, depois de terem acabado com a Valentim de Carvalho, a Discoteca Roma, e tantas outras pequenas lojas de discos que, para mim, eram como se fossem pastelarias, é quase a única loja de discos da cidade. 
Tudo o resto são grandes armazéns onde se vendem CDs, livros, gadgets, aparelhos informáticos, televisões, molduras, máquinas de lavar roupa ou louça, ferros de engomar, brinquedos e tantas outras traquitanas que consomem prateleiras.
A Trem Azul é a melhor loja de discos da cidade. Às vezes também dão lá concertos.
Fica na Rua do Alecrim, nº 21A, como quem vem do Cais do Sodré para o Chiado, numa cavezinha que quase não se vê da rua (que é a subir). Apenas o letreirozinho azul que é a tradução de um dos álbuns mais célebres do jazz. Um disco de John Coltrane. Como se só fosse possível dar esse nome a uma discoteca de jazz.
Descem-se umas escadinhas e entra-se em Blue Train.
Vim de lá agora.
Escolhi dois discos, fiz uma audição rápida e comprei-os.
"Groovy", um disco de 1957 do trio de Red Garland, com Paul Chambers no baixo e Art Taylor na bateria, cheio de ritmo e do swing que se pede ao jazz para ser jazz.

E o último do trio de Bernardo Sassetti, lançado em Abril.
"Motion", além de nos revelar as maravilhas do panorama do jazz português, com o piano inconfundível de Sassetti e os brilhantes Carlos Barreto (no baixo) e Alexandre Frazão (bateria), vem ainda acompanhado de uma série de fotografias tiradas pelo mesmo Sassetti que nos lembram que a arte existe e está em todo o lado. Basta olhar. Simplesmente arrebatador.

Oiço-os agora.

(De repente é verão em Lisboa e eu acho que a única forma de se andar na cidade é na Vespa. E depois sobe-se a rua do Alecrim, sempre no meio dos carris do eléctrico, para não cair, passa-se no Chiado, vêem-se raparigas bonitas a beber qualquer coisa no quiosque de refrescos do Largo Camões, dá vontade de parar, paramos, voltamos, vislumbra-se o cauteleiro, raspamo-nos pelo Príncipe Real e pela rua da Escola Politécnica até ao Rato. Nos carros, a malta torra.)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

sábado, 15 de maio de 2010

"O Plagiador"

A Joni Mitchell, cantora folk e dona de uma das melhores vozes dos anos 60 e 70, disse recentemente em entrevista ao LA Times que o Bob Dylan "É um plagiador e o seu nome e voz são falsos. Tudo no Bob é uma decepção." Tradução da Blitz

Não é que a Joni não tenha feito uma data de covers do Bob Dylan ou que quando ouviu "Positively 4th Street" tenha dito que percebera "now you could make your songs literature." (em "Both Sides Now" de Brian Hinton).
Se calhar são meros arrufos.
Seja como for, acho que o velho Bob deve ter gostado de ler a entrevista ao LA Times.

Porque este homem sempre fez só aquilo que queria, com um gozo especial em contrariar as expectativas dos outros.

Com 20 anos, Bob Dylan deixa a casa dos pais, pega numa guitarra acústica e vai conhecer o misterioso Woody Guthrie. Começou a tocar músicas. Blues, mas folk blues. Foi para Nova Iorque, tocou nos pubs de Greenwich Village e conheceu poetas, Ginsberg, e muitos embriagados e toxicómanos.
Quando de repente lhe disseram que ele era a voz de uma geração, que seria o líder de uma revolução, Dylan, num concerto memorável no Royal Albert Hall em 1966, e para espanto geral, pega numa guitarra eléctrica e simplesmente rebenta com tudo. É a melhor parte do concerto, ainda que os puristas da altura ficassem de cabelos em pé com a súbita mudança de estilo de Dylan.
Aliás, no final do concerto, dá-se um episódio que vale a pena recordar. Antes do monumental "Like a Rolling Stone" (7'53''), bem audível, surge uma voz do público que acusa Bob Dylan de traição. «JUDAS !», berrou um tipo.
Bob Dylan, que aquecia já os dedos para brilhar com aquela espectacular canção, pega no microfone e responde desdenhosamente:
«I don't believe you ! You're a lier !»
E rebenta a música.

Sempre quis contrariar aquilo que esperavam ou queriam dele. Foi isso que percebi quando assisti a dois concertos que ele deu em Lisboa com uma diferença de 5 anos. Totalmente diferentes um do outro. No último alterou tanto as versões das canções que ficaram praticamente irreconhecíveis. Ninguém as cantava. E como a garganta danificada não ajudava a perceber a letra, ficámos assim: quem é este gajo ?
Um mito que, ao contrário de muitos outros, quis alcançar esse estatuto sem ter que morrer.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

lição de humildade

Ir com a mota ao chão porque um zéquinha não me vê, não respeita a prioridade e trava quando só devia continuar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Feel like shit

Não dormi nada. Ontem à noite fui jogar futebol, perdemos 2-5 com uma equipa de mete-nojo, não marquei nenhum golo, levei pancada, da grossa, deitei-me tarde, o puto berrou a noite toda e, hoje, já vou no quarto café. Seguido.
... e deixei o carro ficar sem gasolina.

Para aguentar o dia, escuto Keith Jarrett. O Köln Concert. Gravado na Alemanha, em 1975, é uma master-piece. O seu disco mais vendido de sempre. Uma hora e quatro faixas de música extraordinária de um virtuoso do jazz contemporâneo. Que a Joana, uma amiga da Faculdade, me deu para ouvir num dia de estudo em casa dela, e a quem pedi logo para gravar numa cassete. E que estrondo ! quando percebi que já conhecia um dos excertos. Devo-lhe ter agradecido mil vezes.

Jarrett a solo, ao piano, marcando o ritmo com pancadas secas na madeira do instrumento e com ruídos vocais sofridos e arrepiantes. Completamente em transe.
Os seus concertos são verdadeiras maratonas de improvisação e suor. Tanto, que Jarrett nunca mais interpretou o que tocou em Colónia. Porque esse concerto foi improvisado.
Há um filme do Nanni Moretti, que revisito sempre que posso (sobretudo o capítulo In Vespa), que inclui na sua banda sonora a melhor passagem da primeira peça do disco. Moretti desloca-se pelas ruas de Roma, montado na sua vespa, até ao local onde Pier Paolo Pasolini foi assassinado. É um dos momentos mais belos do filme. De uma tristeza devastadora.

Cadernos Marroquinos - 5º Dia

O Sahara, finalmente. Ocidental. A 2 kms da fronteira com a Argélia.
Chegámos num Land Rover branco. Como não cabíamos todos lá dentro, dois foram em cima do tejadilho e um em cima do capot, eu.

O sol parecia não querer deixar-nos. Pendurado no céu, teimava em não baixar. A luz, tranquila, suave. Depois, as sombras. Areia quente. Areia mole. Boa. Primeiro subi ao cimo de uma duna e deixei-me divagar, entregue àquele mundo. Depois espojei-me na areia. Há poucas coisas que me dêem mais prazer na vida que sentir a areia morna no corpo. E espreguiçar-me. Intensamente. Quase adormecer.

Tínhamos deixado tudo em M’Hamid. As mochilas, a carrinha, o pouco que tínhamos levado connosco.
O conforto no deserto é estar despojado. Deixar as coisas para trás. Tudo o que se puder. Tudo. O passado, a ordem, a cidade, o que temos. Tudo. As paixões, o dever, a segurança, o medo. Os papéis, quem somos. Ser livre. Totalmente. Ali éramos só nós. Mas esteve cada um para seu lado, cada um a querer saber onde estava. A viver o seu deserto. Ninguém falava. Olhava tudo. Nada. Tudo. Paz.


São 7h05 da manhã. Acabo de me levantar.
Passámos a noite, a melhor da minha vida!, numa bivouac, uma enorme tenda, feita com estacas e uma pesada e longa coberta feita com tecidos fiados de pelo de camelo. No chão, tapetes nómadas e uns colchõezecos.
Acordei com o frio vento da manhã a soprar no meu cabelo e a gelar-me o nariz.
Ainda bem ! Pude, então, perceber a palavra deserto. Somos vida, inteira e importante, achamos que podemos fazer um verso, mas como dói toda a completa insignificância ! De estar ali e o universo dizer-nos que não. Olhamos, e somos menos que um grão de areia.

Para aquecer, à noite, fizemos uma fogueira e eles aproveitaram-na para forno para o pão. Pegaram em massa, enterraram-na na areia e cobriram-na com as brasas. Passado uma hora, tínhamos pão. Soube a deserto.
No acampamento, enquanto os outros tratavam da tajine para o jantar, e atiçavam o lume, o mais novo do grupo deles, Sahid, cantava para afastar o profundo silêncio daquela noite. É magnífico! Ouve-se tudo. Sente-se tudo. Escuto uns risos em árabe (que os risos também têm língua!) e umas orações de alguém no cimo de outra duna. Agradece a Alá e o que teve nesse dia. Dedica-se a ele.
Sahid continuava. Com uma força que eu julgava não ser possível. Havia uma diferença naquele canto que eu não conhecia e, por isso, escutei-o bem. Ele não cantava alto. Não berrava, nem gritava. A força não vinha da garganta. Vinha do fundo. Do fundo do rapaz. De tudo o que ele era. Agradeci a Deus ter nascido e o milagre que é a vida.
São 7h05 da manhã e o Sahid veio-me trazer um copito pouco apurado de café, “Bonjour, ami!”. Era o pequeno-almoço e eles já selavam os dromedários que nos levariam de volta.
Olhei para o céu uma última vez. Profundo como o silêncio. Já tenho barba de 4 dias e o sol às 8 começa a apertar. Tínhamos que ir.
À noite contávamos entrar em Marrakesh e ia ser demorado. Estávamos no sul.

terça-feira, 11 de maio de 2010

"O que pode correr mal se um dia ficares feliz ?"

Qual é a probabilidade de, entre tantos milhares de livros que eu podia ter pegado naquele dia, trazer um que nesse instante causa tanta perplexidade 500 miles away ?

"And time is a string of pearls"



Uma canção completamente negligenciada, de um álbum quase ignorado.
Uma das minhas preferidas de sempre.
Lançado em 1995. Ano de coisas novas.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Benfica

É campeão.
E há coisa mais bonita ?
Tinha que ser. Porque os deuses são justos.
A melhor equipa. Todo o ano, os melhores. O melhor futebol, mais lindo. De encher olho e alma. Que o Benfica é alma.
Mais de 100 golos marcados, mais 30 que o segundo classificado. A melhor defesa. Tudo. Perfeito. O Benfica foi campeão. Foi o Benfica ! Do princípio ao fim. O Benfica que é uma gigante alma nacional. Um grito inteiro. Um grito de liberdade.
Campeões porque recusámos entrar nos túneis onde nos queriam enfiar.
Campeões porque fomos equipa. A melhor. Especial esta equipa.
Com a alegria do samba e as milongas argentinas.
Luisão e David Luiz, dois pilares. Enormes, muralhas, patrões. Nas laterais, Maxi Pereira e Coentrão. Ou Ruben Amorim. Velozes. Setas.
A trinco, Javi Garcia. Um gigante, um armário de betão da cantera madridista. Chegou e assentou tijolo.
No meio, Ramires, dono do campo todo. Corre, corre, corre, o nosso queniano que deixou de ser azul. Saiu da "Libertadores" para ser campeão, da Liberdade. Sacrifício total.
E depois... depois a paixão. 
O perfume argentino, o milagre do tango. Sobe o pano. Começa a dança. Teatro. Buenos Aires.
Os irmãos Pablito e Saviola. Jogo de olhos fechados. Onde um é magia, o outro é arte pura. Tango. Piazzolla. La Boca. San Telmo. Palermo Viejo. Todos os bairros porteños. Meninos.
Menino também... Angelito. Di Maria a driblar. Di Maria a desfazer paredes, a romper defesas, a trocar olhos, a bailar, com rabonas, calcanhares ou um chapéu improvisado. A levar no osso. E se para o ano não tivermos as tuas fintas na relva da Luz, menino, vem já Gaitán, do Boca Juniors, o clube buenairense do bairro mais lindo.
Angelito. Bola no pé, bola na malha. Bola em Cardozo. Golo !, Golo !, Golo !.
Sonatas ao fim da tarde. Casta Diva. Sonho, Arrepio. É golo ! É liberdade.
E, talvez por causa disso, porque o Benfica é liberdade, vamos para o único lugar possível, subir aquela Avenida com o nome mais bonito que há no mundo. A menina Liberdade. Caminhamos sempre para ela. Porque o Benfica sempre foi liberdade. O Clube da liberdade.

sábado, 8 de maio de 2010

Electricidade

[by Rasputine]


[by Rasputine]

PUB.

A cidade está coberta de cartazes: gigantes, médios, pequenos, mais pequenos. Vem aí o Papa. Para que ninguém se esqueça, até o Cristo Rei tem um enorme lençol com a cara de Sua Eminência de cima abaixo. Talvez para os que vêm de avião, entrando pelo Sul.
Mas não é só Lisboa. Hoje, quando chegava ao Porto, depois de passar a ponte da Arrábida, acabadinho de sair da auto-estrada, no Campoalegre, pimba!, lá estava a mensagem: "o Porto saúda o Papa" ou qualquer coisa do género.
Não sei se é para dar trabalho aos RP da Santa Igreja, se têm medo que não o (re)conheçamos, que nos cruzássemos com o Reverendíssimo e não lhe beijássemos a mão, se é só um enorme ego.
Suponho que, à falta de eleições, é necessário ocupar os outdoors com novos clientes.

[Nota: o blog dispensa mais imagens]

[by Rasputine]
P.S. 1: Arrependi-me. Esta vem de perto de casa.
P.S. 2: Faltou apanhar um terceiro cartaz logo a seguir a estes, na rua perpendicular a esta, mas a perspectiva não permitia. Imaginem.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Macaco Velho

Aqui há umas semanas, José Lello, ilustre Deputado da nação, queixou-se ao Presidente da Assembleia da República da presença nas galerias de uns mirones safados, cujo nome técnico é, creio, repórteres fotográficos.
Defendia ele que devia ser limitada a entrada dos mesmos e das suas lentes excitadas e irrequietas. Que estava em causa a intimidade da vida privada, a tutela de direitos de reserva sobre correspondência privada, que através das suas potentes extensões do braço podiam os malandros Big Brothers meter o olho onde não deviam. Referia-se o Sr. Deputado aos computadores que a AR disponibiliza aos representantes do país e que se encontram num espaço público, o espaço público por definição. Ao serviço do Estado e para o Estado.

Agora, é notícia na imprensa internacional o caso de um Senador norte-americano que em pleno debate legislativo (sobre o aborto, by the way) foi apanhado a consultar imagens pornográficas na internet.

Não sei se era isto que José Lello pretendia acautelar, e eu não acredito em bruxas, pero que las hay...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Lovely Rita

O "Seargent Pepper's Lonely Hearts Club Band" é um marco na história da música pop do século XX. Colocado pela Rolling Stone no topo dos 500 melhores álbuns de todos os tempos.
Mas não é preciso trazer para aqui todas as razões que fazem dele uma obra-prima essencial em qualquer discografia que se preze.
É um álbum fundamental. Para mim que comecei a escutá-lo aos 10 anos, quando o descobri lá em casa no meio dos outros vinis dos meus pais.
Lembro-me que tinha 10 anos porque sempre fui um tipo dado a paixões. E lembro-me de me ter apaixonado por uma miúda chamada Rita.
A Rita andava no 1º ano como eu, mas noutra turma. E um dia, alguém me veio dizer que ela gostava de mim. Fiquei apalermado, porque eu também gostava dela.
Rapidamente, um dos meus amigos fez chegar a notícia ao outro lado e marcou-se um encontro. Na altura não percebi muito bem porque é que tinha que ser assim, mas, ao que parece, íamos conhecer-nos. No recreio, à hora marcada, apareci eu e ela. Uma amiga dela e um amigo meu. Pareciam padrinhos. Ridículo.
Ficámos a olhar um para o outro, com cara de parvos, tenho a certeza, e os nossos amigos a quererem que nos beijássemos ali, à frente deles. Era um espectáculo. Apresentaram-nos e ficaram à espera.
Não mexi um músculo. Nem sei se disse mais do que o meu nome. Talvez um olá. Tocou a campainha para as aulas e pisguei-me.
Mas dali para a frente, sempre que a via, dava-lhe um toque na saia, ou na mão, ou soprava-lhe qualquer coisa por cima do ombro. Até que um dia, vendo-a sozinha a passar com os cadernos debaixo do braço, chamei-a para trás dos pavilhões e, sem lhe dizer mais nada, dei-lhe um beijo. Estava apaixonado.
Agora é que entra o "Sgt. Pepper's". Sempre que pensava nela, ia pôr o disco a tocar. No lado B, faixa 3: Lovely Rita.
Não sei o que aconteceu à Rita, mas quando deixei de pensar nela, continuei a estudar o melhor álbum rock de sempre. Até descobrir a última faixa do disco. Uma canção dividida em duas partes e composta com dois bocados, um do John Lennon e outro do Paul McCartney.
Psicadelismo no seu estado mais puro.

terça-feira, 4 de maio de 2010

o último tango em paris

Andava há anos para ver este filme.
Mas anos, são mesmo anos. Depois de ouvir o meu pai falar dele durante parte da minha adolescência e vida adulta, quando finalmente o encontrei em DVD, ainda o tive na prateleira durante mais dois anos até que decidi pôr a "película" a correr. Parecia ter pudor ou, talvez, medo de estragar a ideia que construíra. Como se preferisse guardá-lo num canto da imaginação etérea. Mas a vida é concreta e, portanto... pu-lo a rodar.
Parte da magia deste filme está na aura que o rodeia. Como aconteceu em Portugal, o simples facto de a censura o ter proibido dava-lhe uma dimensão quase mítica. Pessoas da idade dos meus pais iam a França só para ver o filme. E a verdade é que ele vive dessa dimensão e daquilo que outros nos transmitem.
Tive em casa um pai que, sempre que me falava deste filme, o rotulava de a experiência erótica por definição, o erotismo no seu estado final. E com estas ideias, fui criando uma certa imagem do filme. Que seria isto, afinal ? Um Emanuele ?, pornografia ?  o quê ?
A verdade é que "O Último Tango em Paris" é um romance. Uma história de amor. Louca, absurda, bonita. Não é, hoje, passados quase 40 anos sobre a sua estreia, um filme erótico. Acho que nunca o foi. E, no entanto, grande parte das duas horas do filme são passadas dentro do velho apartamento onde ele (Marlon Brando) se encontra com ela (Maria Schneider) para matarem a sua sede de sexo. Mas não é um filme erótico.
É um romance. Ele, atormentado pela morte da mulher, quer suicidar-se no corpo dela. Ela quer saber o nome dele, de onde vem, o que faz, com quem fode. Ele não lhe diz nada. Mas acabam sempre no apartamento.

Depois, o filme muda. Ele apaixona-se por ela.
Percebemos isso quando Bertolucci nos mostra Paris fora do apartamento. Uma ponte. Um salão onde se dança o tango, ele a correr atrás dela na rua (julgo que vêm dos Jardins do Luxemburgo). Embriagado, mas apaixonado, a querer contar-lhe tudo sobre si. O nome, a idade, que gere um hotel, o que lhe aconteceu na vida. Embriagado, de whiskey, porque só assim lhe podia dizer tudo. Que a amava.
Mas para ela é tarde. Ela já não quer. Quando quis, ele não queria. E agora arranjou um namorado, com quem vai casar, penteadinho, que é certinho e lhe vai dar uma vida certinha, aborrecida e normal.
Ele persegue-a, quer-lhe dizer que a ama, que já não se quer suicidar nela. Dança com ela, mas ela não sabe o que é o amor dele. Confusa, masturba-o uma última vez. Mata-o.

Fica-se assim. Com aquela sensação meia amarga de Vinicius de Moraes de que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro nessa vida..."

domingo, 2 de maio de 2010

Cadernos Marroquinos - 4º Dia

Foi um mesmo dia, depois de uma noite quase em claro vindos de Erfoud, onde tínhamos planeado dormir, mas onde não ficámos depois da história com Mustafa e Rashid.
Houve noite e nascer do sol. Não há melhor.
Dei graças por conduzir entre as cinco e as sete da manhã. Vendo os olhos do Ordep a quererem fechar, pedi-lhe o volante.
Companhia e luz na escuridão daquelas estradas desertas, a lua repousa finalmente. É um regalo para os sentidos perceber o sol a surgir, lentamente, por detrás daqueles montes rochosos e sem vida. Tudo começa, então, a beber cor, cheiros e formas.
Em silêncio, ia espreitando pelo retrovisor o sol que aparecia na traseira e enchia de um cor-de-rosa raro e meigo as rochas ali à volta. Egoísta, não disse nada aos outros. Mas também dormiam a sono solto.
O dia ia ser quente. Aproximávamo-nos da Argélia.
A meio da jornada e depois de muito subir e descer no sinuoso percurso do velho Alto Atlas, temos um furo. E agora, pá ?, entreolhámo-nos. O pneu subselente era velho, quase careca e estava um bocado vazio. Mas deu para o gasto e permitiu-nos chegar ao sopé da montanha onde nos esperava uma bomba de gasolina. Não tivemos que ficar encostados na berma à espera, como é frequente ver nas estradas marroquinas. Como iam demorar a concertar o pneu, aproveitámos para comer umas omeletes que um tipo fazia mesmo ao lado.
Debaixo já de um calor febril, ouvia-se o muezzin a chamar para as orações do cimo de um minarete. Celestial.
Continuámos depois, para perceber que há horas em que não se deve conduzir. As quatro da tarde são essa hora ! Só as kasbahs conseguem resistir àquele sol abrasador de morte, aquele maldito sol dos infernos ! Quando avistávamos essas velhas fortalezas árabes já não nos sentíamos tão sós, imaginando lá dentro a gente a deixar o calor morrer.
Disseram-nos que fossemos mais para sul, que íamos encontrar as dunas de Mhamid. Foi o que fizemos.
Chegámos à noite, no meio de um reboliço de cabras e miúdos aos pontapés que correm para ver os estrangeiros na terra. Mal parámos a carrinha, aproximaram-se uns tuaregues. Queriam negócio. Ofereceram-nos um chá e ouvimos o que nos vinham dizer. A troco de alguns dirhams, iam levar-nos ao deserto. Perguntámos o que era preciso. Nada ! disseram. Regateámos um bocado e acertámos o preço.
Apetecia-me levar um turbante. Entrei numa tenda, paguei e lá fomos.

La Meglio Gioventú

Há uns anos, na sala 1 do King, parte I e parte II.
Hoje, engripado no Alentejo, todo.