Quando entro em campo no relvado da Agronomia, que no inverno da Tapada da Ajuda é o mais maldito dos relvados de Lisboa, cercado de mil árvores que o põem tão frio e tão húmido que até já estamos no centro da floresta negra, mas quando entro em campo penso sempre em três coisas:
1. meter mais um golo (com um bocadinho de jeito ou com sorte);
2. que o joelho já aguenta vai para dois anos e que afinal a dor dos 9 meses de fisioterapia foi para algum lado, que subir e descer degraus no ginásio, e fazer centenas de flecções com pesos de 5 kgs. atados ao tornozelo, e piscina duas vezes ao dia, e bicicleta e corrida e tudo ainda congelado, e duas terapeutas agarradas à perna para a dobrarem com o peso do corpo, depois de eu a ter puxado com uma corda e ter flectido aqueles meros dois graus, e as outras coisas todas, que isto tudo foi para algum lado;
3. que não se agradece só ao Dr. Granate que o concertou com dois parafusos de titânio atarrachados na tíbia e um bocado do tendão rotuliano, e cozinhou um joelho novo, enquanto lhe tocavam os Led Zeppelin nos ouvidos em plena cirurgia.
O médico da Selecção de joelhos de Rugby e do telemóvel que chamava com o 'Baba O'Riley'
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Os Homens
Numa mesa de quatro estavam quatro. A bater uma cartada.
À volta destes quatro, daquela mesa de quatro, conto doze ou treze. À espera de vez.
"Foda-se!, caralho!... foda-se!, caralho!", e começam dois na mesa a discutir. Por causa de uma mão.
"Foda-se... caralho!"
Não acrescentam mais nada, como se pelo tom simples destas duas palavras tudo chegasse, como se argumentassem tudo o que era preciso.
Roda-bota-fora, sai um e entra outro para o lugar no carrossel de quatro.
Do outro lado da rua, um tipo conduz uma carrinha. Vai espetar o cimo do tejadilho no toldo de um boteco de má fama.
Todos deixam o jogo. Viram-se para o grande acontecimento da rua.
De dentro do boteco já explode quem parece dono. É pequeno mas vem com a força dos demónios.
"Filhooo da puuutaa! Anda cá que eu já te mostro!"
Quer arrancar o condutor da carrinha, que se agarra já ao volante como ao casco de um barco que naufragou.
"Fiiilhooo da puuutaaa!"
Gritos histéricos de mulher. Há uma que provoca: "Já foi de mal..."
"Anda ver o que fizeste, meu filho da puta. Mulher, chama a polícia!", continua o que parece dono. Espuma por todos os cantos e está com os dentes cerrados. As mãos parecem garras.
Arranca o homem para fora com violência, a quem enche de murros. Tem a barba mal feita e para aí uns cinquenta anos.
"Chamem a polícia! Chamem a polícia! Mulher, chama a polícia." Alguém os afasta. O homem da carrinha ajeita o colarinho.
Mas agora o dono do boteco já está com um varapau nas mãos. Estilhaça o vidro à carrinha. Aparece gente para o segurar.
"Já foi de mal...", repete outra vez a outra.
Num intervalo de chuva em frente ao Douro.
À volta destes quatro, daquela mesa de quatro, conto doze ou treze. À espera de vez.
"Foda-se!, caralho!... foda-se!, caralho!", e começam dois na mesa a discutir. Por causa de uma mão.
"Foda-se... caralho!"
Não acrescentam mais nada, como se pelo tom simples destas duas palavras tudo chegasse, como se argumentassem tudo o que era preciso.
Roda-bota-fora, sai um e entra outro para o lugar no carrossel de quatro.
Do outro lado da rua, um tipo conduz uma carrinha. Vai espetar o cimo do tejadilho no toldo de um boteco de má fama.
Todos deixam o jogo. Viram-se para o grande acontecimento da rua.
De dentro do boteco já explode quem parece dono. É pequeno mas vem com a força dos demónios.
"Filhooo da puuutaa! Anda cá que eu já te mostro!"
Quer arrancar o condutor da carrinha, que se agarra já ao volante como ao casco de um barco que naufragou.
"Fiiilhooo da puuutaaa!"
Gritos histéricos de mulher. Há uma que provoca: "Já foi de mal..."
"Anda ver o que fizeste, meu filho da puta. Mulher, chama a polícia!", continua o que parece dono. Espuma por todos os cantos e está com os dentes cerrados. As mãos parecem garras.
Arranca o homem para fora com violência, a quem enche de murros. Tem a barba mal feita e para aí uns cinquenta anos.
"Chamem a polícia! Chamem a polícia! Mulher, chama a polícia." Alguém os afasta. O homem da carrinha ajeita o colarinho.
Mas agora o dono do boteco já está com um varapau nas mãos. Estilhaça o vidro à carrinha. Aparece gente para o segurar.
"Já foi de mal...", repete outra vez a outra.
Num intervalo de chuva em frente ao Douro.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
O Separador Central
"Les Deux Magots", P.
Não havia um separador central. Ou se havia, então era imaginário e ele cruzava-o contantemente.
Não havia uma estrada feita, nem universos paralelos. Não havia destino. Não havia é este que. E Deus não escreveu em que paragem é que saio.
O caminho ia trilhando. Navegava num percurso que acordava sempre novo e deserto. Que se ia enchendo. Das árvores que via, de prédios, dos livros que lia, de acordes, de movimento perpétuo. De silêncio também. Do cheiro e dos sons.
Mas de gente. Dela. Das pessoas lindas ou dos rufias que conhecia. De beijos. Dos cabelos brancos que despontam fatais, com o propósito de serem. E, ao fim do dia, ria-se dos putos, mesmo quando era suposto zangar. Do mar todo. Da vista do Pico.
Tudo queria agarrar para sempre.
Era assim que queria fazer a sua estrada. Olhar todos os dias para o dia.
E mesmo que lhe dissessem que o tempo era uma coisa esquisita. Que há sempre um antes e um depois de, que nunca mais podia ser igual, não tinha parado. Porque nunca pára, mesmo que parasse. Para olhar e ter a falta.
Continuou, como continua tudo sempre. Como continua tudo um dia.
Porque não havia destino, não há uma rota própria e única. Nada está decidido. Nada mesmo nada.
E não há separador central. Como se nalguma linha secreta do horizonte se pudesse abrir outra, que logo se fechasse e voltasse ao que era antes.
domingo, 20 de novembro de 2011
Obrigado, ó Deus !
Foi hoje.
CCB.
Laginha, Burmester e Sassetti.
Escutar o "Fevro" do Gismonti, depois os clássicos Bach (by Grieg) e WA Mozart, e de um salto Pichinguinha, Heitor Villa-Lobos e Zeca Afonso, todos saídos das mãos deste trio, mata-nos a fome.
Obrigado também Laginha pelo teu "Choro Feliz" e Sassetti pelo gigante "3+1".
Dia 25 reúnem-se outra vez.
Mas quem não foi a tempo, já não vai a tempo.
"O primeiro concerto era dia 25, mas esgotou. Queríamos fazer outro, mas nenhum podia depois. É a primeira vez que o segundo concerto vem antes do primeiro!", Laginha dixit.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
UnHATE ! ou o que de odioso pode haver num beijo
«O porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, veio ontem apelidar a campanha de “manipuladora”, considerando “absolutamente inaceitável” a apropriação que foi feita da imagem do Sumo Pontífice. Federico Lombardi ameaçou mesmo que o Vaticano tomaria medidas junto das autoridades competentes se a Benetton não recuasse. “É uma grave falta de respeito pelo Papa, uma ofensa contra os sentimentos dos fiéis e um exemplo claro de como a publicidade pode violar as mais elementares regras de respeito pelas pessoas para atrair a atenção das pessoas através da provocação”, disse o porta-voz, citado pela AFP.»
in 'Público', 17.11.11
Dos meus sentimentos, falo eu.
A mim não ofende.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
A Selecção e a Série
Hoje à noite a escolha é óbvia.
Episódio 8, Canal AXN Black, 21.35.
Televisão feita como cinema.
Assina Martin Scorsese.
Episódio 8, Canal AXN Black, 21.35.
Televisão feita como cinema.
Assina Martin Scorsese.
Boardwalk Empire (1st Season)
sexta-feira, 11 de novembro de 2011
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
Choose Life #3
La MJC
Lá fora chove que Deus a dá. É noite e chove o mundo todo.
Pois, mas são quase 10 horas e há jogo. Enfio a camisola nova. Número 9. É um 9 bonito. Apesar de azul.
Meto-me no carro que sabe de cor o caminho para o relvado da Agronomia. De faróis fechados.
Chego e já não é Deus que a dá. É o demónio, catano ! Um minuto fora do carro e estou encharcado. Acho que até nas veias já corre água. Um pequeno aquecimento e calço poças em vez de botas.
Cai cada vez mais. E batida a vento. Como é que se diz ? É chuva que vem do chão ? Do chão, de cima e dos lados.
Cai cada vez mais. E batida a vento. Como é que se diz ? É chuva que vem do chão ? Do chão, de cima e dos lados.
Todos ensopados. Ah, a igualdade que há no jogo...
Tão cheio de água que, apesar das corridas, não deito uma gota de suor. Escorre-me um rio pela cara abaixo. O cabelo, demasiado comprido, cresce para os olhos.
Tão cheio de água que, apesar das corridas, não deito uma gota de suor. Escorre-me um rio pela cara abaixo. O cabelo, demasiado comprido, cresce para os olhos.
Primeira parte, empatados. Eh, pá, relâmpagos e trovões. Choram os desalmados.
Segunda parte. Lá vem o golo. Ganhamos por 1-0. Os outros estão lixados. O árbitro apitou um fora de jogo que não foi. É justo. Dava golo, mas eu chuto que o velho também não viu dois penalties contra os gajos. Assim ficamos quites. Que é sempre bonito.
O que é que leva um tipo sair de casa, às 10 da noite, para andar a correr numa piscina e chegar transformado num mar gelado ?
Choose Life #1
A "Life" tem uma secção com fotografias de guerra. São as "50 photos that brought war home".
Fotografias disparadas do interior de alguns dos piores conflitos mundiais do séc. XX: da Segunda Grande Guerra, da Coreia, do Vietname.
Sacadas das mãos de tipos que estiveram no inferno, que viram morrer gente à sua frente, a quem quiseram agarrar o último esgar, enquanto chamavam pela mãe que é sempre a última palavra que se pronuncia no final. Tipos que arriscaram a vida e regressaram para contar uma história que tinha de ser contada. Fotografias de Strock, Larry Burrows, Eugene Smith, Douglas Duncan ou de Robert Capa que morreu no salto de uma mina, de máquina ao pescoço quando cobria a guerra da Indochina.
Não sei o que é a guerra. Sempre achei que se me visse enfiado numa, seria sempre um dos primeiros a ir à vida, numa espécie de desespero mascarado de coragem. A coragem diluída no medo, no susto de saber uma bala com o meu nome escrito.
Por isso, acho que as fotografias da Life estão ali para nos lembrar que isto pode ser sempre pior. E que a distância é sempre demasiado curta.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Os livros são como pessoas
[by C., Café Havelka, Viena]
E há uns que querem ir debaixo do braço. Logo. Agarrados.
Outros que dizem nem pensar. Que dizemos também.
Outros que despachamos numa ida à casa de banho. E uns que são frouchos. De meias palavras. Que não falam e não dizem nada. E esses são tristes.
Todos primeiro estranhos, a seguir logo se vê.
Depois há os lindos. Tão bonitos que perguntam onde é que andaste toda a vida.
Mas também há aqueles que queremos ler para sempre. E reler. Para sempre. Que são os nossos livros. Tão nossos que já nem sabemos se não somos nós deles.
E uns, especiais, difíceis, complicados, que demoram, que colocamos na mesa de cabeceira, que pegamos e poisamos. Se magoamos voltam à mesa de cabeceira, pegamos e deixamos, para um dia. Olhamos e dizemos: "- um dia".