«Uma nova rapariga é sempre uma surpresa, o princípio de uma pequena vida. Tem tantas características originais que não podemos esquecê-la, por muitos anos que tenham passado desde a última vez que a vimos. É um grande benefício, pelo qual jamais poderemos dar graças suficientes. As raparigas não substituem as anteriores. Acrescentam-se.
Esteja eu onde estiver, estou sempre acompanhado por uma multidão de raparigas. De modo algum pertencem ao passado. Pelo contrário, fazem-se sentir. Estão ininterruptamente presentes. Ouço-as a falar umas com as outras. São conversas interessantes. Só raramente falam de mim. Quando conheço uma nova rapariga, comentam-na. Não lhes escapa nada. Não perdoam uma. São más. Têm imensa graça. Fazem-me rir de mim próprio. Ajudam a relativizar o meu deslumbramento. Protegem-me. Impedem-me de me apaixonar mais do que é estritamente inevitável.
Andam sempre bem vestidas. Não envelhecem. Não chateiam. Mantêm a personalidade. Não há o mínimo espírito de equipa ou qualquer outro tipo de solidariedade irritante. Não guardam rancor. São indiferentes à minha pessoa. Como se eu não existisse, porque são queridas. (...)
Ao princípio, não tinha este apoio. Estava sozinho. Entregue à minha ignorância e curiosidade. As minhas namoradas ajudavam-me a andar com elas, como seria de esperar. Não tinham ciúmes umas das outras. Até porque não estavam muito apaixonadas por mim como eu por elas. Assim aprendi muito cedo que a combinação ideal é um homem apaixonado e uma mulher nem por isso. Os homens gostam mais de amar, as mulheres de ser amadas. Os homens têm medo de ser amados. Apetece-lhes fugir. As mulheres não gostam de se ver apaixonadas. Perdem o respeito por si próprias. E têm medo de sofrer e de serem vistas.
Podem ser disparates, mas são eficazes. Uma rapariga quer-se livre, desprendida, sujeita apenas às vontades dela. Assim é mais fácil uma pessoa apaixonar-se. E, quando chega a altura da despedida, é mais fácil deixá-la, para mais.»
Miguel Esteves Cardoso - 1996