"Isso é a tua novela !", ainda hoje, 20 anos depois, me dói o disparate.
A novela, acusavam lá em casa, era a alienação. A novela eram histórias sempre iguais e mal contadas, mas isto ??? Isto era verdade e acontecia. Era magia. Era lindo. Porque raio me dizia ele aquilo ?
O meu pai sempre mostrou um interesse moderado pelo desporto.
Ver desporto, então, era inútil. Uma desinteligente perda de tempo. Não compreendia o drama de bola na mão, esta entra, esta não, o espectáculo de ver os melhores do mundo a decidirem jogos de vida ou de morte que podiam mudar a 1 segundo do fim. Aliás, nunca viu. E isso talvez explique tudo.
"Percebo que jogues, e gosto, hã, mas isso é uma novela."
Infâmia.
Só porque gravava a meia-hora de resumo semanal que dava aos sábados e, ao domingo, apenas o quarto período (os outros três vinham resumidos) de um jogo que acontecia a mais de 5 mil quilómetros de distância.
Não percebia o meu velho a perfeição da bola no cesto e desse ruído único, e que, ao ver e rever, a gente aprendia e que, depois, ao jogar a base com os amigos no campo do Belenenses, iamos replicar as assistências de sonho do Magic Johnson, os triplos do Larry Bird, mas (e aí confesso) nunca os slam dunks do Michael Jordan. Arte em movimento. Arte pura em slow motion.
Nessa altura, a NBA era uma paixão assolapada, mas daquelas que parece que chegam tarde demais. A velocidade a que as maiores estrelas estavam a abandonar o jogo eram uma chapada no coração. E esse amargo não perdoamos.
Então, com a sangria de absorver tudo o que havia para saber antes de morrer, lá vinha semanalmente a "Super Basket" para casa, a única revista que se vendia em Portugal com tudo sobre a National Basketball Association. Era espanhola, mas adiante.
E gravava os jogos no VHS lá de casa, enchendo quilómetros e quilómetros de fita, acumulando as caixas que a mãe depois plastificava com os recortes das vedetas.
Como a paixão era mesmo séria, ainda respondia aos anúncios que miúdos como eu punham na revista a pedir jogos antigos para a troca, miúdos espanhóis ou da Moimenta da Beira.
Ah ! e lá vinham por correio registado os sagrados Lakers v Celtics de '88 e os Lakers v Pistons de '89, ou todos os jogos onde pudesse apanhar o Magic e os ganchos do Kareem Abdul-Jabbar. Todos narrados em espanhol, mas eu aguentava.
Showtime !
Ao entrar para a Faculdade, arrumei a bola, as revistas e as dezenas de cassetes.
O tempo era outro, surpreendente e muito novo.
E depois, fuck it, o Magic tinha-se retirado, e o Bird, e até o Jordan tinha migrado para o Baseball.
De vez em quando ainda via nas notícias os resultados de alguns jogos, mas já não conhecia as equipas e os campeões que lá andavam não me diziam nada e eu lembrava-me do que o Alfredo ensinava ao puto no 'Cinema Paraíso': "Vai-te embora e não regresses, porque não vais reconhecer ninguém. Um dia, mais velho, quando voltares, vais ver que está tudo na mesma." Qualquer coisa assim.
Até ver um monstro de 2 metros de altura chamado LeBron James que afunda, lança longo e defende forte.
Regressou agora tudo em formato nostalgia. Como os velhos amigos que se amam e nunca se esquecem, embrulhadinha num canal do cabo com três letras: NBA.
E logo com um clássico: Celtics v Sixers de '88. Larry Bird de um lado, e o mítico Doctor J., do outro.
Esperem até começarem os playoffs.