quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Buenos Aires - 3º dia


(foto: cristina)

Há dias em que o vento sopra a favor.
Até nem estava frio, mas de manhã recebo bem aquele arzinho seco que acorda e limpa a noite toda da cara.
Na Recoleta, bairro nobre da cidade, na avenida Aranales, vêem-se lojas finas, lojas caras com montras requintadas e as pessoas são distintas e estão bem vestidas. Sapatos engraxados, sobretudos escovados, um ou outro chapéu e bigodes aparados. As senhoras, muito europeias e de costumes antigos, têm o cabelo armado, bolsas de pele e tomam o chá que é trazido numa bandeja (onde também vem o tabaco) por empregados de casaco branco e laço ou gravata preta.
Dizem-nos que temos de ir ao "San Juanino", em Posadas, provar as empanadas. Obedecemos porque vemos que é carinho e cheiravam a delícia terrivel. Ou a fome é que já fala à bruta. 
Continuamos a coleccionar bairros. 
Palermo Viejo é uma área de habitações assim estranha. Os prédios velhos e decadentes e as ruas um bocado sujas contrastam muito com as cores alternativas com que pintam outros que têm mais sorte e estão entregues a malta nova e revolucionária. Há também muitas lojas que vendem coisas modernas, coloridas e originais.
Já é noite porque o tempo é supersónico quando não olhamos para ele.
Abençoados por essa graça, eis Gerardo Gandini, a surpresa inesperada. Como só acontece quando se faz amor raro com o mundo e não se preparam calendários ou menus.
Às oito e meia descíamos a 9 de Julio sem pensar para onde, já em frente ao magnífico Teatro Colón. Num flash de lince a Cristina repara no cartaz colado na parede que anunciava:
  
Tangos en el Colón
Funcíon Extraordinaria, Hoy, 20h30m, Gerardo Gandini interpreta Piazzolla

Como é que é ?
Era aquele o dia. Era a hora. Estávamos ali. Maestro Gerardo Gandini, pianista, antigo membro do sexteto de Piazzolla, a solo.
E bilhetes a 5 pesos !!! Minha mãe, €1,50 para ouvir tocar um Maestro ! E lugar num camarote. É Milagre com 'M' grande. 
Aos primeiros acordes já nos benzemos. E ao nosso lado, um velhote acompanha os tangos que conhece de cor, "TutuTurututu, Tuturururu ruru ruru ru" 
Genial !

De manhã mandámos uns e-mails para Lisboa.

domingo, 24 de novembro de 2013

Requiem por ti

Fechou o Londres. Não agora, há pr'á aí um ano.
Fechou o Quarteto, 
o Mundial, 
fechou o Ávila. O Turim e o Cine 222. E o São Jorge é só para festivais. E o Cinema Roma acho que nem isso.
Para não falar do Condes, do Europa, do Império, entregue à seita brasileira (crime à cidade !) ou dos Alfas. 
No Caleidoscópio, ali para os lados do Campo Grande, também houve uma salinha. E até o Restelo teve um cinema no bairro, onde vi o 'Regresso ao Futuro', quando era puto.
Fecham os cinemas todos de rua.
Mas há centros comerciais e cheiro a gordura e a milho cozinhado.
Que porra !, não poder ir ao cinema, só cinema. De ter que atravessar corredores de lojas e de gente desalmada que vai para outro lado, ou vai se calhar às multi-hipóteses de outras 20 salas, e tanto lhes faz porque só quer encher barriga.
Futuro de merda. Ir ao cinema não é só aos filmes. É deixar o carro na rua e não me soterrar no inferno de um parque debaixo do chão. É ver pessoas e os bairros da cidade e as ruas, e isto assim, isto faz mal.

Sobrevive o Nimas, o Monumental vá, o Alvalade e o Fonte Nova, que é Centro, mas a gente perdoa-lhe. E agora foi-se o King.




(foto: andré raposo)

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Corcovado



foto: Mário Cruz

CR7 3 - Suécia 2

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Vhils em Lisboa - Parte 5 e 1/2*



Jardim do Tabaco
(foto: andré)

*com Pixel Pancho

sábado, 16 de novembro de 2013

Grand Slam





Voltariam a encontrar-se. Agora no 1º round do Torneio dos 111 anos do CIF. Difícil haver melhor local, mas quanto custa uma final antecipada...
Quando um dia se escreverem as crónicas das grandes batalhas do ténis amador lisboeta, dois nomes vão sobressair.
Quando a distância e o tempo permitir que se falem das grandes rivalidades da primeira metade do século XXI, Junqueiro, Iceman JunKas, e andré (aka Rasputine), vão preencher os anais.
Quando já for a lenda a contar o que foi aquela partida, as novas gerações vão aprender duas coisas: que Junkas é capaz de recuperar o fôlego umas 500 vezes de pura frieza mental, e que Raspa tem a garra de um cão.
Meus senhores, o que se viu hoje no nº 6 do CIF, não foi um jogo, foi uma luta épica pela sobrevivência. Como é sempre que jogam.
Para a multidão que assistia nem faltou o tira-teimas do terceiro set, e mesmo durando há duas horas e quase meia, e as famílias já cobrassem e o ucraniano que arruma o court só olhasse para o relógio, ninguém arredaria o pé.
Reparem que quando no primeiro set, se alternavam os pontos ganhos, ora Raspa, ora Junkas, ninguém podia adivinhar o vencedor, mesmo com o match-point em 5-4, a favor de Raspa mas este fosse, afinal, o canto do cisne.
Do outro lado, o muro imperturbável de Junkas, senhor de uma capacidade atlética invulgar construída no rugby federado (vê-se bem o carácter que um Benfica molda num homem), não se deixou melindrar e, com o rasgo dos predestinados, empatou a partida nos 5-5, levando o jogo para a incerteza dos penalties onde cada erro é fatal. E foi aí, na tranquilidade de um cruzeiro que já cavalgou as ondas de 20 metros, que acabou por vencer o primeiro set num esclarecido 5-7 a um Raspa pronto para arrancar o próprio escalpe.
Reviravolta conseguida.
Mas Raspa não podia deixar mal quem aposta em puro sangue.
Briguento e aquecido pelo motor todo em explosão, atacou, atacou e atacou. Foi buscar o serviço e começaram a brotar ases. Quando já tirava smash-slams como se fossem cafés parecia o Pete Sampras. Claro que a barragem que estava do outro lado não deixava de devolver, e continuava a bater ora fundo, ora curto, ora longo, ora rede. Junkas sem baquear. Um poço de gelo, sempre em economia de esforço, a fazer saltar um Raspa que já era um galgo numa corrida de Inglaterra.
Os números do segundo set só reflectem as ganas de um homem despeitado. Depois de um rápido 4-0 inicial, Junkas ainda reduz para 4-1, mas Raspa não podia cair outra vez no canto da sereia e arrancou, em puro braço de ferro, o 5-1. Números enganadores porque Junkas não dá abébias. No way. Daí a rivalidade actual. E o último jogo ainda chegou aos 40-40.
Vantagem para um, vantagem nula, vantagem para outro, vantagem nula. Ninguém a desfazer. Ninguém a declarar derrota. Ninguém a erguer a bandeira branca.
Depois de uma demorada troca de bolas (se alguém as tivesse contado, saberia que foram 24), eis uma que decide morrer no lado mais gelado do court, fechando o 6-1 do segundo para Raspa. Empate e tudo remetido para a negra.
Há dias em que ninguém merece vencer, mas é um torneio e vamos para o terceiro set.
Começa melhor Raspa, ainda embalado, apontando um 3-1.
Junkas recupera e empata a 3-3, altura em que Raspa duvida de si e pergunta para quando ver-se livre disto. A resposta chega com jogo para Raspa, e 4-3. Junkas repete a graça do primeiro set e 4-4.
Raspa mergulha no poço da suas forças à procura de uma luz e consegue chegar ao 5-4.
Mais uma vez, na frieza de quem até pode perder, mas só por cima do seu cadáver, Junkas atira tudo para um 40-15 à maior, a que Raspa devolve ao empate 40-40 porque não se podia repetir o passado. E então, numa absoluta troca de vantagens, acaba Raspa por levar Junkas de vencido. Fim. 6-4.
Cumprimentos apresentados, com o amargo de não poderem disputar o troféu na final.
corpo regressou quebrado de mais um mano-a-mano, chegou a pensar que ainda lhe dava ali alguma coisa, mas há dias assim, em que só um pode vencer.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Case of Her




Roberta Joan Anderson
70 no dia 7.

domingo, 10 de novembro de 2013

Buenos Aires - 2º dia


(foto: cristina)

Buenos Aires. Duvido que haja cidade com nome mais bonito. Talvez Lisboa. Mas essa é pátria. Não sei.
Quando viajo é para me levantar cedo e atirar-me para as ruas. Um miúdo numa loja de brinquedos. Tomar um grande pequeno-almoço e submergir. Chupar tudo. Engolir mais.
Decidimos apanhar um táxi (a preço de saldos) e ir para 'La Boca'. Bairro pobre, do Caminito, canción. Gardel. Bairro rafeiro de navalha à cintura e tatuagem nos braços. Rostos trigueiros e rostos traçados de rugas. De olhos rasgados e cicatrizes na alma que nos miram desconfiados. O estrangeiro aqui é penetra. Não se contam os segredos de família e não se diz de quem é o filho. Bairro azul, amarelo, verde, vermelho. Cores violentas. Berram ao máximo. Cores puras. Verdadeiras, sem meias-tintas. Bairro do clube más lindo. Clube do povo. Operário. Fiquei Boca acho que logo.
Entramos num velho café de esquina, de portas que chiam. Em Buenos Aires, tropeçamos neles. Fumo um cigarro ou dois. Olho bem para as pessoas. Jornais espalhados no balcão. Escuto as conversas do dia. Dois velhos de voz rouca comentam o jogo da véspera. Têm um charuto nos dedos e pedem um uísque. O cabelo branco puxado atrás, muito penteado. Oiço aquele espanhol açucarado, cantado, espanhol meio italiano meio brasil de tantas emigrações. De tanta gente. Fico apaixonado. Falo com eles. Como eles. Falamos dos tempos maus. Da ditadura. De Ménem e do futuro Kirshner. Da economia. Deliram porque vão correr com a Repsol do país. Falo de Portugal. Querem saber da Europa como se fossem primos. Distraio-me e olho pela janela baça. Que longe de Lisboa!
Deixamo-nos estar um bocado mais por ali. Acho que arranco um bife de chorizo, puro sangue. Alto e grosso. Cheio de carne.
Regressamos ao centro e percorremos as avenidas largas e que não acabam. É quando a Cristina encontra um Teatro construído com histórias. A "Ateneu". Agora é celebre. Subimos aos camarotes para ver os romances. Na plateia, a política e a história. No primeiro balcão vejo livros de cinema, música, fotografia e arte urbana. Pegamos nuns, olhamos para outros e acabamos no segundo balcão com as obras dos embaixadores. Piazzolla e "Fervor de Buenos Aires" do J.L. Borges.
Não sei se ainda existe, mas no "Camaná" partilhámos, finalmente, o primeiro mate, espécie de chá feito da erva com o mesmo nome que levam com eles para todo o lado.
Insuportavelmente amargo. Cometemos o pecado capital. Juntamos açúcar porque tinha que ser. Quando o amargo acaba de afastar o intruso, esvai-se completamente como se fosse por um cano à parte e deixa um sabor calmo debaixo da língua. A vida é boa.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Leopardo

Em África há um caçador furtivo.
Caça à noite, sozinho e só raramente é visto.
Às vezes só já em cima das acácias onde recolhe o peso do corpo quando termina a matança.
É rápido, silencioso e letal. Uma máquina de matar. Não mata mais do que precisa. É nobre. Mas quando ataca não perdoa. A presa tem apenas uns segundos de terror antes de sentir o oxigénio acabar e o sangue gelar para sempre. 
Em África aprende-se cedo a diferença entre viver e morrer. Quando o capim é jovem e o sol ainda não levantou. Todos sabem. Homem ou não.

Estamos longe da savana, mas Samuel Eto'o recorda-nos onde começa o mundo. Sentindo o cheiro da carne fresca, preparou-se. Sozinho faz um 'S', primeiro a um tempo devagar, para escapar ao ângulo de visão da presa que esqueceu onde começa tudo. Depois, silencioso e letal, lança-se em aceleração rumo ao alvo com as garras afiadas e os dentes todos de fora.  
Eto'o felino. Como o leopardo. Não foi sorte. Foi fera.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

Buenos Aires - 1º dia


(foto: cristina)

Em Buenos Aires começa a Primavera.
Ainda se sente o frio que vem do inverno acabado.
No aeroporto Ministro Pistarini há homens que oferecem o táxi para nos levarem ao centro. "Si, cuanto lo arreglamos ?"
Demoramos cerca de meia hora a chegar a Viamonte, atravessando alguns quilómetros dos extensos subúrbios de lata e tijolo em carne viva onde vive gente que é pobre.
Eram 7h30m e, por isso, despejámos as malas no hotel e fomos logo a uma cafetaria ali perto tomar o pequeno-almoço. Dois chocolates quentes e um par de media lunas.
O voo tinha sido chato, longo, de Lisboa uma hora para Madrid e de Madrid para B.A., durante a noite e, como é hábito, só durmo quando o avião está a levantar. Depois, zero, sempre desconfiado destes bichos. Ainda para mais, dei trela a um puto argentino que vinha sozinho e sentado ao meu lado. Era o Dario, do Boca e só queria falar. Regressava de umas férias na Europa para as aulas no liceu e devia apetecer-lhe tanto isso como dormir um bocado.
De modo que o pequeno-almoço soube bem depois do ar frio cortar a cara logo cedo que é a melhor forma de acabar com o torpor do raio de um avião.
Era domingo, e aos domingos as pessoas dirigem-se para a feira de San Telmo, a velha feira de antiguidades de Buenos Aires. Fomos para lá a pé.
À medida que nos aproximávamos, dava para adivinhar que íamos chocar com um tango vadio. A música que saía de um velho rádio ronfenho num volume razoável circulava entre nós como se fosse mais um turista. No meio da Plaza Dorrego dois dançarinos, ele de colete e ela de vestido preto e cabelo apanhado, cruzavam as pernas um no outro freneticamente e um chapéu no chão juntava os trocos. Demos uma volta pelas velharias. Quadros rafeiros, candeeiros arte nova oxidados, relógios de bolso parados, livros usados, latões, recipientes para o yerba mate, retratos de Gardel, Evita e Maradona, grafonolas e discos de vinil de 78 rotações enchiam prateleiras e prateleiras das lojas de San Telmo.
Distraio-me sempre a ver estas coisas que outros usaram, que viveram em salas, quartos e varandas e que acabam ali, meio mortas, vendidas por tuta e meia ou que alguns colectam do lixo.
Acho que alguém nos tirou da rua para almoçar. Anunciavam uma parrillada do outro mundo e com o peso a valer um terço do euro só se fosse estúpido é que os mandava dar uma curva. Sentámo-nos com calma a chupar o suco daquela grelhada mista de carnes de primeira. Ia já a meio quando escutei o som melancólico de um bandonéon cheio de pena e abandono. Se os portugueses têm saudade, os porteños têm Piazzolla. Piazzolla não é música apenas. É toda a tristeza de um povo enfiada nos acordes de um instrumento que chora tudo o que tem. Ou então eram os dedos do maestro.
Já não sei como é que fomos dali para o monumental obelisco da 9 de Julho, a maior avenida do mundo com sete faixas para cada lado e dez minutos para atravessar, mas antes ainda passámos na Plaza de Mayo, onde, ano após ano, em frente à Casa Rosada, as mães de Maio se concentram para lembrar os "desaparecidos" do regime de Videla. Só depois é que nos enfiámos nas ruas do Retiro, outro bairro de Buenos Aires.
Buenos Aires é uma cidade de barrios.
Passaram 10 anos desde que pisámos a Argentina, país dos seis continentes.

Sunday Morning




"To our neighbors:
What a beautiful fall! Everything shimmering and golden and all that incredible soft light. Water surrounding us.
Lou and I have spent a lot of time here in the past few years, and even though we’re city people this is our spiritual home.
Last week I promised Lou to get him out of the hospital and come home to Springs. And we made it!
Lou was a tai chi master and spent his last days here being happy and dazzled by the beauty and power and softness of nature. He died on Sunday morning looking at the trees and doing the famous 21 form of tai chi with just his musician hands moving through the air.
Lou was a prince and a fighter and I know his songs of the pain and beauty in the world will fill many people with the incredible joy he felt for life. Long live the beauty that comes down and through and onto all of us.
— Laurie Anderson
his loving wife and eternal friend
                                                                                                                                            East Hampton Star