domingo, 30 de novembro de 2014

Your hand in Mine

  




'Thank You', "Led Zeppelin II", 1969

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O Sport Europa e Benfica


Como já aqui escrevi, sou do Benfica por causa do Belenenses. Sem pai que amasse o futebol e me levasse ao Estádio e com as outras referências familiares acorrentadas a um inexplicável e atormentado sportinguismo, sobravam-me a rua e a liberdade.
Mas foi com o Benfica europeu que me apercebi da chama universal deste clube. Com as eliminatórias contra o Steaua, com os discursos do grande Diamantino, com a final da TCE contra o PSV (e como ela me doeu na biqueira da alma !), com os derbies contra o Liverpool nos anos 80 (mesmo goleados), com a épica meia-final contra o Marselha e a honesta mão do Vata. Com a final contra o Milan logo a seguir, assistida na poltrona nervosa do velho amigo, que as eliminatórias contra o Arsenal, a Juventus em '93, o 4-4 contra o Bayer em '94 e a impossível (ainda hoje) meia-final contra o Parma insistiam em ferrar com o espeto em brasa.
Foram estas quartas-feiras que cimentaram em mim o valor Imensidão. Eu que, ó castigo!, não nasci a tempo dos gloriosos anos 60 !
Depois cuspiram-nos para os Celtas, os Espanhóis, os Getafes e outras tristezas que nem vale a pena contar aos filhos.
Mas há pouco tempo O Benfica devolveu-nos ao seu lugar por direito e eliminámos o Manchester United de Cristiano, Giggs e Ferguson, o Liverpool (campeão europeu em título), com golos de sonho em Anfield. Ainda batemos o pé ao Barcelona (e como !), o futuro campeão europeu desse ano.
Mais recentemente ainda, regressámos a duas finais consecutivas, contra Chelsea e Sevilha, ganhas em glória a Fenerbache e Juventus, mas perdidas vá-se lá saber porque Bella Guttmans. Em ambas carimbei o passaporte com o mano e parceirinho querido. Respirar o velho benfiquismo durante todo um dia, que dura dois ou três, e gritar aos céus Viva o Benfica!
Por isso, sermos afastados (sim, falo no plural !) antes do fim do ano de todas as competições europeias, para mais contra o bafiento e horrível Hulk, e saber que a meio da semana não nos vamos pisgar mais cedo do trabalho porque o Benfica joga, e ter que explicar em casa que este ano acabou, raia o limite do insuportável.
Os doutores que digam que não temos "equipa Champions". Para mim o que fica é a saudade de saber que nos próximos meses os aeroportos do velho continente não se vão encher com os melhores adeptos do mundo, com a cor mais linda que há no sangue, e isso é muito triste. Porque nos impede de sonhar.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Billy the Kid


Não estávamos em Nashville, não há calor na rua.
Não palmilhámos o Kentucky nem nos demorámos a tragar um bourbon, o que é pena, porque durante duas horas foi isso mesmo que aconteceu. Exilar-me de Lisboa (no espírito ninguém manda) e acordar na Virginia.
A beleza das coisas eternas. O território ZDB.
A goela morna deste trovador dos subterrâneos no teatro mais bonito da cidade !
As guitarras únicas com os acordes em slide, o som, o contrabaixo, grave, ritmado, como passos a calcarem o soalho e a mandar bem no resto.
O folk, o country, a mistura poética das letras, as raízes e o sotaque genuíno do mais puro sul dos E.U.A. ensopados numas barbas que cantam e dizem I see a Darkness.
Se estivesse na primeira fila, Johnny Cash teria ficado orgulhoso. 
Que p #%$# de concerto !



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

'Amadeu', de António Lobo Antunes



"Tomou o pequeno-almoço, uma chávena de café e umas bolachas, três ou quatro, as últimas da lata, molhou a ponta do indicador na língua a apanhar as migalhas do fundo, que comeu também e depois arrumou a lata na prateleira e colocou a chávena no lava-loiças, tudo isto sem pressa, nos gestos do costume. Limpou as gengivas com a língua até o gosto das migalhas lhe desaparecer da boca. Encheu a chávena de água para a lavar depois. Era uma chávena branca, com uma paisagem impressa: árvores, animais que pastavam, uma casa ao longe, e o contacto dos dedos com a loiça, tão lisa, era-lhe sempre agradável. A seguir foi para a casa de banho, lavou os dentes, fez a barba

(teve de mudar a lâmina, que já cortava mal)

abriu a torneira da água quente do duche, abriu um bocadinho a torneira da água fria, experimentou a temperatura com a palma, abriu mais um bocadinho a torneira da água fria, despiu o pijama e meteu-se no chuveiro depois de vedar bem a entrada com a cortina de plástico azul, que corria, em argolas transparentes, ao longo do varão, a fim de não molhar a toalha que servia de tapete. Lavou a cabeça com cuidado, de forma ao champô não lhe incomodar as pálpebras, sentindo o cabelo que começava a rarear. Ao princípio detestou estar a ficar careca

(até comprou umas ampolas que não serviram de nada)

depois foi-se habituando a pouco e pouco

 - Sou careca

embora não lhe agradasse muito a pele da cabeça nua nas fotografias que, na sua opinião, o faziam parecer mais velho do que era. A risca do cabelo que sobrava, agora perto da orelha, já não cobria grande coisa mas as mulheres não se importavam, ou fingiam não se importar, com isso, o que, apesar de tudo, sempre lhe dava algum consolo. Fechou as torneiras ao mesmo tempo, afastou a cortina de plástico, apanhou a toalha da barra cromada em frente e sentou-se no bidé, a fumar um cigarro, enquanto o corpo ia secando sozinho. Detestava esfregar-se, lembrava-lhe a mãe, que o magoava com o seu excesso de energia

- A ver se consigo tirar-te como deve ser o sabão das orelhas

voltou ao espelho para se pentear, descobriu um pêlo enorme a sair-lhe do nariz, apanhou uma tesoura pequena da gaveta e, à terceira tentativa, lá conseguiu cortá-lo

( - Como é que eu não dei por isto antes?)

e fazê-lo seguir, lavatório abaixo, até às profundezas do inferno. Aproveitou para verificar, de esguelha, se pêlos nas orelhas, não deu por nenhum, guardou a tesoura, no género daquela com que lhe cortavam as unhas em criança

(a mãe, sentada no sofá

- Chega-te aqui à luz e está quieto)

e ele com medo que, por distração, lhe amputassem a ponta do mindinho.

(Os óculos da mãe, enormes, pareciam engoli-lo. Faleceu de repente, um aneurisma, três anos antes, pelo menos a autópsia garantiu que um aneurisma e certamente quase não sofreu. Valha-nos isso: não era má pessoa, a mãe.)

De toalha amarrada à cintura e chinelos felpudos passou ao armário da roupa. Puxou umas cuecas quase ao acaso

(não tinha previsto nenhum encontro galante)

cujo elástico começava a perder força mas ainda aguentava, um par de meias pretas, que têm a vantagem de dar com tudo, uma camisa branca que teve de desabotoar para a abotoar de novo, começando pelo colarinho e vindo por aí adiante até ao fim da barriga, que ia aumentando devagar, mais cuidado com as sobremesas, rapaz, sentindo-se uma espécie de clarinetista a treinar escalas. A seguir um do dois fatos azuis, encostando o ombro à parede a fim de não se desequilibrar ao entrar nas calças, um cinto preto, sapatos pretos, sem atacadores, que têm a vantagem de poderem calçar-se de pé e lhe pareciam um número acima do seu dado que às vezes os calcanhares dançavam um bocadinho lá dentro, voltou ao quarto de banho a fim de aperfeiçoar o nó da gravata, de colarinhos ao alto, baixou os colarinhos, certificou-se que a gravata na exacta bissectriz deles, uma gravata de um amarelo discreto que, na sua opinião, lhe aumentava a dignidade, sobretudo com o casaco já posto, surpreendeu-se com um pedaço de linha vermelha, incompreensível, na lapela, que enrolou entre o indicador e o polegar e depositou num cinzeiro de vidro, procedeu a uma verificação final, acamou as madeixas das têmporas, perfumou um tudo nada o pescoço

(nunca perfumava mais do que o pescoço)

ainda se mirou, de perfil, no espelho, e achou-se bem, apagou as luzes atrás de si, espreitou as horas no relógio de pulso

(vinte minutos para chegar ao emprego, não demorava mais do que dez, sobrava-lhe algum tempo)

e sentou-se, de perna cruzada, tomando cuidado com os vincos, na poltrona onde costumava ler o jornal à noite, a seguir ao jantar, com a televisão ligada numa novela qualquer, a fazer-lhe companhia. Trinta e oito segundos depois levantou-se e foi à janela observar a rua. Um par de homens lá em baixo consertavam um cano, não estava frio porque as mulheres usavam manga curta, com excepção de uma velhota de xaile: os ossos dos idosos não aquecem, coitados, a mãe, por exemplo, mesmo em agosto, dormia de botija e casaquinho de lã, queixosa da temperatura. Abriu a janela e confirmou que nenhum frio, como nenhum vento também, as folhas das árvores quietas, pombos a rondarem a esplanada. No cabeleireiro, quase em frente, começavam a tirar os taipais, duas raparigas loiras, uma gorda e uma magra, de bata cor-de-rosa, a conversarem entre si, sem olharem para cima. Se olhassem para cima viam-no, empoleirado num banco, a colocar uma das pernas fora da janela e a inclinar-se para a frente, como veriam que, do quinto andar ao passeio, um sujeito de setenta e sete quilos demora 3,4 segundos a chegar."

in ‘Visão’

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

The Doctor

Nós nunca somos só nós. 
Antes de Eusébio, houve José Águas. E antes de Maradona, houve Cruyff.
Como sem Faulkner talvez não houvesse Lobo Antunes, e como Tatti provavelmente não seria ele sem Charlot ou Buster Keaton.
Assim no resto. 
Antes de Michael "Air" Jordan, houve um homem que já voava para os cestos de garra esticada e que ficou conhecido para sempre como Doctor J.. 
Senhoras e Senhores (às vezes a televisão presta), o Sr. Julius Erving.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Em Carne Viva





Que sangue dos demónios ! 
Espanhola, de Maiorca, já que todos temos que ter um sítio para nascer, porque esta mulher vem de uma África bem funda. De espanta-espíritos. De uma raça muito antiga. Mesmo que depois traga sensualidade nas saias e o charme todo do Caribe no corpo.
É assim como uma mistura de rum despejado num caldeirão onde se preparam já galinhas pretas para o candomblé. Tudo abençoado com a água que vai entornando em palco e projectado na voz, com as tripas bem de fora. De pé descalço com ligação ao centro da terra.
Concha Buika merecia era outra sala. O CCB não é homem para ela. Cabrón !

domingo, 9 de novembro de 2014

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

'Amor', de António Mega Ferreira


"Algum dia eu haveria de entrar na normalidade dos que te amam. Amo-te. E dói escrevê-lo (que é pior, meu amor, do que dizê-lo). Amo-te, absoluta, impossível e fatalmente. E ouço, adolescente, uma música adolescente, para me lembrar de ti, porque lembrar-me de ti é lembrar-me que não consigo esquecer-te. E ouço música porque ouvimos música quando amamos, e tudo, no amor, é música, acústica da alma... que se quer ser devorada, e, neste caso, dor (tão deliciosamente insuportável) de amar sem sequência nem expectativa de contrapartida, amar unicamente o puro objecto que desgraçadamente amamos. Isto é uma carta de amor, e é possivelmente ridícula (prova maior de que é, realmente uma carta de amor), ou porque perdi o hábito de as escrever, ou porque nunca tive a coragem de as enviar.
 Não percebes porque é que não te falo? Ainda não percebes que, na personagem que de mim eu enceno, não cabe a ameaça de uma derrota, a antecipação do desencanto, a sombra de um vexame? Não te falo, para não saber que o que eu te digo é apenas a forma contida de te dizer outra coisa, mas que essa coisa não é do teu mundo, nem do mundo que eu construí, nem do precário mundo que a nossa fragilíssima ternura mútua arquitectou. E tudo isto é literário, eu sei, mas – que queres? -, a literatura é o melhor de mim e é o melhor de mim que vive dentro da minha cabeça quando estou contigo.

E depois, afastamo-nos. Beijo-te a correr, não sei se já reparaste, e quase fujo, porque sair do pé de ti é regressar ao que não és tu, o teu olhar e as tuas mãos, a tua alma e a tua voz, e isso, meu amor, transformou-se no insuportável intervalo entre dois encontros.

Esta carta de amor é um excesso (e isso prova superiormente que é uma carta de amor): eu amo não a ideia de amar-te (durante muito tempo, eu julguei que era apenas isso), mas a ideia de perder-me no meu amor por ti. E mesmo amar-te é um excesso, porque tudo aconselharia que eu me limitasse a mitificar-te, que é a melhor forma de evitarmos enfrentar a realidade. Porque a realidade, aqui, é como uma dor difusa, tu sabes como é, um incómodo ainda não localizado, que progressivamente se vai definindo e acertando, até que, insuportavelmente nítida, a sua imagem se nos impõe como uma evidência. A minha dor é que eu comecei a amar-te, sem o saber, durante aquele breve período de tempo em que sair de casa era a promessa reconfortante de ver-te e falar contigo. Eu não sabia, repito, mas o tempo ajudou-me a definir essa pequena dor, tão secretamente pavorosa: cada vez que estou contigo (cada vez mais, meu amor, cada vez mais) é como se a minha vida se virasse do avesso. E é verdade, é cada vez mais verdade, que, quando penso nas coisas que ainda me falta fazer na vida, é em ti que penso. E tenho medo, como um animal que instintivamente foge do que sabe não poder atingir.

Eu penso em ti, ainda mais do que te digo, e tu estás em tudo, mesmo quando não te penso, tu és a grande razão, o horizonte sem nome que constantemente se desenha na minha imaginação de mim.

Há uns anos, este seria o momento de desmontar o discurso desta carta, de te mostrar os subtis mecanismos da alma e da máscara, de desdizer ironicamente o que já disse, de insinuar que, afinal, as-coisas-talvez-não-sejam-exactamente-assim. Mas as coisas são exactamente assim, e a carta, que poderia transformar-se num confortável exercício paródico, é, inevitavelmente, uma agonia e um embaraço. Esta carta é um acto de puro egoísmo, que eu até talvez nem tivesse o direito de praticar.
É-te incómoda, necessariamente, e isso bastaria para que eu me abstivesse de a enviar, dentro de um envelope azul. Mas o azul fica-te tão bem, e as cores todas ficam em ti como tu ficas no mundo: exactamente.

Mas, repito: esta carta é um acto de puro egoísmo, é como se não tivesse destinatário. E, no entanto,
é preciso enviá-la, para que seja uma carta de amor, para que faça sentido como carta. Para que seja amor. Mas podemos imaginar uma saída elegante: para que possas conservá-la como pura carta de amor, quero eu dizer, sem o embaraço de saberes que ela te foi escrita por alguém que não amas, não a assino. Dou-te tudo: até a hipótese de esta carta não ter sido escrita por mim.

«(E não, esta carta não pode ter sido escrita por mim. És tu – em mim – que me faz escrever o que eu não escrevo. E isso é – de novo – o melhor de mim.)»"

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Banksy turns Best


(Londres, perto de Trafalgar St.)