(Aguiar Armando)
No 4º Juízo Cível, 3ª secção, do Tribunal da Comarca do Porto aguardo a chamada para a audiência.
Sentado no único lugar disponível, entretenho-me a folhear um jornal que comprei numa tabacaria da Gonçalo Cristóvão antes dali.
Espero o funcionário.
Começo a pensar no dia até aqui. Como é bonita a Estação de São Bento. Como nem reparam nela os passos apressados da gente que a vê todos os dias. Lembro-me dos pormenores. De passar no túnel. Da mãe que ia com as filhas e lhes diz que ordena:
- Vejam, olhem para o rio. Vai aparecer outra vez. Viram ?
E as miúdas sorriem. O comboio chega e há um mergulho geral para a plataforma. Eu saio, mas páro. E olho. E vejo sapatos apressados. Não olham para a Estação. Não olham à volta. Para as lajes, para os bancos, para a estrutura. Para o fumo. Não escutam. Não cheiram.
Não sei onde é que vou comer desta vez. Faço os Aliados e reparo numa porta moderna, desses locais muito "fashion" que agora há, tipo lounge, tipo cool, de vasos altos cá fora. Ok. Os empregados recebem-me com cerimónia e vestidos de preto. Trazem-me logo a lista. Digo que estou com pressa e que tem de ser rápido. Frango à braz ? Pode ser. Nunca comi. Não deve ser pior do que o bacalhau.
A raçãozinha cabe na toca de um dente. Não protesto. É da nova cozinha. É lounge, ou lá o que é, ou lá o que eles querem que seja. Não protesto. E o café veio quente.
Lembro-me que estou no Tribunal.
Chega o funcionário. Demora um século a dizer os nomes. Gagueja. Se gagueja ! Fecha os olhos para as palavras brotarem. Fica vermelho. Praticamente roxo. Transpira. As vísceras quase que rebentam pela boca. Caso brutal. Gagueja tanto que tenho que o ajudar a acabar o que quer dizer. Aquilo não é um funcionário. É uma tortura. Coitado do tipo que o puseram a chamar pessoas e a atender telefones na secretaria. Foi castigo.
Ao meu lado, duas testemunhas convencem-se do caso que as leva ali. Duas mulheres da Ribeira que falam em voz alta e com sotaque pronunciado. Divirto-me. Também ouviram a chamada. Comentam o funcionário (depois de ele sair):
- Que gago ! Deve ser bonito na cama. Primeiro que a gente perceba o que ele quer...
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