sábado, 4 de março de 2017
Os Renegados do Futsábado
É difícil explicar o que aconteceu esta semana no relvado do Estádio Pinto Basto, casa do Clube Internacional de Foot-Ball, sem parecer burlão ou basófia. Não foi apenas um jogo de futebol. Foi muito mais do que isso.
Comecemos pelo princípio, quando o Zé V.A. me perguntou se não arranjava uma equipa de oito macacos para fazer um treino contra o 'Olimpico', a sua equipa de futebol amador no torneio do CIF. À cabeça vieram-me logo o mano JT e a turma do 'Futsábado'. Tínhamos de escolher a dedo. Para a baliza era fácil, o Jony Mendonça. Centrais iam ser o Big Man Calhas e o Guarino, do All-Star. O corredor esquerdo era para o Tomás, ex-Alheira e parceirinho do Rio, e à direita iam variar o Many Jr., que também podia jogar a extremo esquerdo, com o Miguel "ballon d'Or", que joga em todas as posições. O miolo ficava entregue ao mano velho João Tiago, que calça colheres em vez de botas, e ao Seixas, para dar profundidade, força e o pau que fosse preciso. Na frente tínhamos que ser o 'Hortelança' e eu. Equipa para ir lá e ganhar. Era um 8x8, com dois de fora sempre a rodar.
Duas semanas e uns mails depois. tínhamos jogo marcado: quarta-feira, às nove e meia da noite. "Nós jogamos de preto. Apareçam de vermelho." Obrigado, Zé. Essa foi de amigo !
No meu último e-mail para a nossa equipa disse-lhes que tinha a honra no prego e que não me deixassem ficar mal. "Por nós o cobrador vai morrer de fome.", foi uma das respostas que recebi. Que pérola.
Começámos a chegar às 9 e 10. Guardámos as coisas nos balneários da cave e fomos para o sintético. Com fome de bola, montámos logo uma rabia no centro do campo 15. Urros, gargalhadas e meias em baixo. Tudo com vontade e bem disposto. Enquanto isso, a malta do Olimpico aquecia à profissional. Alongamentos, corrida curta, salto e foge, mas bola, népias. Humpf...
À hora marcada, o árbitro explicou como ia ser com o apito e começou.
Os primeiros 15/20 minutos foram para estudar o adversário. Talvez algum respeito a mais. Mas também jogávamos fora e precisámos de tempo para compreender as medidas do campo e interiorizar os fora-de-jogo. Tentávamos trocar a bola e correr para a frente com ela dominada. Para ver o que dava. Alguns lampejos, mas nada de especial. Até que, ao fim de uns sprints inúteis e de umas golfadas de ar gelado que só emperravam mais os músculos, uma boa abertura meteu o Hortelão na cara do golo, e zás!, o primeiro estava feito. Êta, decisão!
Íamos agora sofrer o que tínhamos começado. Todos percebemos isso. Junto à linha, o nosso Mister dava as suas indicações. Mané Mendonça, pai dos gémeos e senhor de carrinhos de gala aos sábados de manhã, orientava o team. "André, a posição. João Tiago, fecha atrás. Calheiros, olha as costas. Many, esse é teu." Um tratado. Acho que sofreu mais do que a gente.
A pressão começou, obviamente, a ser maior. Estavam feridos e parecia uma questão de tempo o golo do empate. O Jony defendia muito, bem... tudo, e a defesa cortava o que podia. Às tantas, acho que o número 8 deles tira um da frente e dispara de fora da área. O nosso keeper ainda lhe raspa com a ponta dos dedos, mas ia com selo de baliza, apelido que ouvi alguém gritar atrás de mim. É aí que aparece Guarino, o Zen, esse pêndulo defensivo, a substituir o Jony e a aliviar de cabeça em cima da linha. Esse lance foi como um golo. E puxou por nós. Foi a força toda da equipa.
Partimos atrás do segundo golo, que aconteceu para aí uns cinco minutos depois. Tiro de fora da área do nosso "ballon d'Or", que é um atleta do cacete e que adora chutar colocado e em força. Pelo meio ainda tivemos um livre indirecto dentro da área deles que só por milagre é que não entrou. Mas falhámos e, pouco depois, aproveitando uma série de erros, o Olimpico reduz para 1-2. Uma estalada na cara. Por isso, continuámos o que estávamos a fazer. Construir e levar para a frente. A defender, técnica do "harmónio".
De repente, a bola sobra para mim. Estou ligeiramente à frente do centro do terreno, topo o Hortelão desmarcado e só com o Redes deles pela frente, e antes que me caísse um tipo em cima, consigo tocar-lhe a bola a tempo. Forte como é, desembaraça-se do Redes e fica com a baliza à mercê. 1-3 para nós.
O jogo estava louco, com eles a carregarem cada vez mais, e um penalty que não sei bem de onde é que apareceu. Para equilibrar as coisas, 'tá bem. 2-3.
A questão é que estávamos teimosos de raça. Perder o braço de ferro não era opção. Com uma entrega e um coração do tamanho da Terra, fincámos os dentes numa pedra e subimos no relvado para fazer o 2-4. O puto Miguel, quem mais ? A assumir.
O jogo devia ter terminado, mas pedem-nos mais 5 minutos na mira do empate.
O Olimpico balanceava-se todo lá para a frente e nós a trancarmos tudo a cadeado. O harmónio libertava agora as suas flechas venenosas. E lá vinham eles. A espumar.
A bola sobra para o mano que a recebe no meio campo, roda, liberta-se de dois ao mesmo tempo e eu descaio para a direita num movimento de olhos fechados que fazemos juntos há mais de vinte anos. Os meus passos levam a conta dos olhos dele. Entrega-me a menina com todo o açúcar que se pode pedir. Já dentro da grande área, tiro um defesa da frente com uma finta curta e remato a bola para o sítio onde ela pertence, mas o Redes sacode para a linha de fundo. Merece que lhe passe a mão na cabeça. E eu passo.
O tema é que tínhamos provado o sabor a sangue. Com uma moral que nem eu conhecia, continuámos a puxar do gatilho. É então que alguém me passa novamente a bola. Nesta fase, a velocidade já não me permite fixar todos os pormenores. Estou na grande área outra vez. Já nem vejo mais nada. Só implorava que a bola me fizesse feliz. Saco outra vez um defesa da frente. Parece que não aprendeu. A mesma finta curta, só que desta para marcar! 2-5.
Bola ao centro que viaja rapidamente para a esquerda. Agora é o Tomás quem leva a bola. Parece um TGV. Eu sigo toda a jogada do outro lado. Sei perfeitamente o que ele vai fazer. Quando chega ao fim da linha, quase quase a sair dos carris, cruza nas costas da defesa, a rasgar toda a grande área, com a bola a perfazer um arco para o redes não lhe meter a pata. Esta é para o meu pé direito entrar e fuzilar. Catrapumba ! e bola no fundo das redes. 2-6.
Do outro lado estão comatosos. O que é que é isto ?, leio-lhes nos rostos fechados. Só que havia tempo para mais um. E o Tomás fez tudo para o merecer. Outra vez a locomotiva. Vem cego de contra-ataque. Nem sei quantos sacou do caminho. Só sei que, talvez uns treze segundos depois de lhe cair a bola nos pés, desfere uma bomba para o canto direito do ninho. 2-7 ! e ding, dong, KO !
Oh, alegria insuperável. Que orgulho ! 10 brothers a jogar de braço dado. Feras de calções. Só a amizade não explica o que se passou. Ali éramos uma espécie de amor. Éramos a correr pelo parceiro do lado. Suar o suor dos outros, e ignorar todas as dores e o cansaço do mundo.
Ter a honra no prego é uma coisa. Fazê-los pagar com juros é outra.
Bom texto. Falta referir que o Olimpico ao contrário de vocês não joga futebol 8 mas sim futebol 11 no estado puro.
ResponderEliminarEnquanto que para vocês o objetivo foi ganhar o jogo para nós o objetivo foi garantir que fisicamente melhorávamos o nosso índice. No início do jogo disse-lhes: "deixem-nos ganhar para voltarem mais vezes"
Feio, feio...
ResponderEliminarNão foi isso que aliás disse o vosso Capitão no final do jogo.
Creio que li algures que ganhámos "como equipa" e "sem espinhas" e que o Olimpico só jogou com intensidade "10/15 minutos"...
esta tentativa de reescrever a história fica mal e faz-me ponderar seriamente se aceitamos a desforra.
porque o que nunca aceitamos são borlas.