sexta-feira, 17 de abril de 2020
Standby Me
Este blogue tem 10 anos.
Há 10 anos, enquanto olhava para o futuro do mundo, de nós, e com a crise financeira de 2008 ainda fresca na cabeça, sugeri que um dia iríamos ter um Fight Club pela frente, e «que podíamos ser forçados a experimentar uma luta selvagem pela sobrevivência».
O que eu não sabia é que a maior crise do mundo teria origem microscópica. E que a maior crise das nossas vidas seria, afinal, uma crise de três gerações. Ao mesmo tempo.
Que uma crise financeira não é nada ao lado de uma crise de tudo. Quando tudo pára e fecha, quando nos mandam para casa, pela nossa saúde, e quando sociedade, economia, emprego, e tudo aquilo que somos (ou julgamos que somos) é posto em stop, e tudo parece conduzir à ruína social (e humana). No riscar de um fósforo, ou melhor, no cuspir de um espirro.
Porque hoje sim, sabemos o que é mesmo uma pandemia. Palavra horrível e que faz dormir mal. Com cheiro a morte, que vem de Espanha e Itália, e de mais longe, e que anda e anda e está em toda a parte. Que nos apresentam com números e gráficos e curvas. Mas que é gente. Cada um daqueles números. E camas nos hospitais.
Difícil, muito difícil digerir uma coisa assim. Ter que aprender a conhecer um mundo novo, quase calado, com medo até de pensar no que pode vir a seguir, sem beijos e abraços, e em que dizemos adeus à mana, e às miúdas, à distância de uma varanda e de auto-abraços que nos damos do coração. Em que estar perto é estar longe, e com tudo aquilo de que não gostamos, porque mete aparelhos, gadgets e tecnologia pelo meio. E agradecê-lo !, porque só assim. Em que pensamos 30 vezes antes de entrar, mexer, tocar e quase até falar. Em que pensamos antes de tudo. Se podemos. E como. Porque nos pedem que a gente não mostre a cara e nos dizem que as mãos já não podem ser livres, ficando cidades inteiras de semi-aleijados a usar cotovelos, braços, pés e coxas para tocar nos puxadores e abrir portas, janelas ou tocar às campainhas. Coisa de doidos !
Porque fecharam os risos e a galhofa, e o futebol que a gente jogava. E a malta nos bares e restaurantes, e a música fora. E as conversas. E os olhos nos olhos. Que querem que a gente guarde. Cá dentro. Onde nos exilámos.
Por isso é que nos agarramos. A tudo o que podemos e é nosso. Aos discos, livros e filmes. Que nos lembram a vida de antes. E aos jornais para sabermos a de hoje.
Não sabia nada disto. Mas sabia o que era. Isso sabia. Aproveitando sempre tudo. Tentando não perder uma oportunidade. Para acrescentar. Para ser mais. Para não deixar escapar, ou adiar para amanhã. Como se não houvesse amanhã sim, porque nunca sabemos mesmo. Sugando sempre todo o tutano, como ensinou o professor dos poetas. Para ganhar os dias e completar a história.
Por isso, quando me dizem que estamos em guerra, apetece-me pegar numa granada e caçar o inimigo. Mas não estamos. Se estivéssemos, a vida, aquela vida, continuava. Haveria bunkers, mas havia rua. E putos, na rua. Não era o standby. O meio quieto. Como uma nuvem, mas a chover as saudades que nos lembram que estamos cá. Com os dias passando em loop, que insistimos em contrariar para enganar o repetido. Fazendo tudo distantemente numa espécie de fingimento.
Um ano adiado e interrompido e com muitas chamadas de pé-de-página, para anotar depois.
E no meio disto tudo, a primavera. A natureza... duma janela rural. Indiferente a ansiedades e inquietações, e que continua. Bela e a querer que olhemos para ela. Melhor. Para aprendermos a viver outra vez.
Com os filhos e os laptops no colo. À procura de rede.
E não tem sido tão mau como para tantos milhares. Estão todos com saúde e as famílias também. Aproveitamos para sossegar, para reler, para pensar e fazer umas coisas que nos dão prazer. Para viver o dia a dia sem medo porque confinados é menos provável que nos toque a nós e AGORA é que vivemos e agradecemos a vida e a saúde! Logo está nuvem passará, pelo menos para muitos! Votos de que continuem bem e se protejam.
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