«Jet lag, adrenalina, insônia, e com um ou dois comprimidos de Zolpidem me esqueci de fechar as cortinas. Acordei com o sol na cara, tomei mais um sonífero e só me levanto no meio da tarde: 16h16. O celular no modo avião me serve somente de relógio de cabeceira, nem o alarme eu aciono para não esbarrar numa tecla errada. Não gostaria de dar de cara com uma enfiada de mensagens por responder, nem de constatar que não me mandaram mensagem alguma. Peço ao room service uma focaccia com presunto de Parma, meia garrafa de Pinot Grigio e um maço de Chesterfield. Faço a barba, tomo banho e mando chamar um táxi que me leve à galeria da Piazza Colonna, onde me lembro de uma grande livraria chamada Hoepli, depois Rizzoli, depois Feltrinelli, em suma, um bom lugar para me perder um pouco. O taxista me toma por um turista incauto e se põe a circular pela cidade, o que a princípio não me desagrada. Contornamos a Piazza Navona, cruzamos o Pantheon, avistamos a coluna de Marco Aurélio mas vamos parar na beira do Tibre, onde atravessamos uma ponte, voltamos por outra, e da terceira vez que passamos pela Piazza di Spagna pago a corrida e agradeço. Da praça à igreja de Trinità dei Monti são cento e trinta e cinco degraus que me lembro de subir de três em três, apostando corrida com meus irmãos. Eis uma façanha que eu hoje não poderia repetir, não só por causa da artrose nos joelhos; a escadaria está cheia de jovens estudantes e mochileiros, deitados com a cabeça no colo uns dos outros, fumando maconha ou entornando latas de cerveja. Enfrento a escalada de viés com duas pausas a meio caminho e chego ofegante lá no alto. O coração disparando, porém, atribuo à visão do pôr de sol, refletido nos muros cor de ocre e no rosto dos adolescentes que me lembram a irmã que perdi.»
(foto: cris / novembro 2024)