quinta-feira, 7 de abril de 2011

Fight Club

Nota: o texto que segue foi publicado pela primeira vez no blogue encostado  do "Alcatrão & Penas". Recupero-o agora, adaptado, um ano depois, porque o(s) dia(s) justifica(m).

Houve fome.
Falando apenas do séc. XX, sucessivas convulsões políticas, sociais, económicas a que os nossos pais, avós e bisavós sobreviveram. Alturas de fome e verdadeira escassez. Duas guerras mundiais, recessões económicas, queda de impérios coloniais, independências. Choque petrolífero. Filas e senhas de racionamento. Fome. Para chegarmos à Liberdade.

Tyler Durden, o lendário Tyler do “Fight Club”, num dos melhores diálogos do filme, diz a determinada altura que eles (nós) pertencem(os) à Geração do Meio.
Queria ele dizer – julgo – que, como o irmão do meio, filho para quem em geral a família se está nas tintas, à nossa geração (dos 30) também ninguém liga muito, vá, nada.
Tyler depois desenvolvia um bocado a ideia: que éramos uma geração facilitada, que não havia grande rumo, que as dificuldades tinham ficado para os mais velhos e que a nossa geração estava basicamente entregue a si mesma porque ninguém queria saber de nós, nada iria acontecer de relevante nos nossos anos e não íamos ficar na História.

Há algo de assustadora e desesperadamente verdadeiro nisto.
Só não concordo com a conclusão: não ficarmos na História.
Tenho pensado muitas vezes neste tema. Tenho discutido muito, e o que digo, apesar da veemência do discurso, não tem feito muito eco. Aliás, que me recorde, só uma pessoa esteve comigo. Um raio, ou melhor, um corisco.

O problema é, em suma, este.
Nascemos e crescemos em democracia. Temos conforto, sofás e há o IKEA. Depois da revolução, depois do FMI, a CEE. E os anos 80 e 90, anos de progressiva ascensão económica e social. Chegámos ao mercado de trabalho em 2000. As nossas vidas foram bestialmente perfeitas, certinhas e previsíveis.
Quando podíamos ter ido fazer qualquer coisa, escolhemos uma carreira. Mark Renton, no final do Trainspotting dixit. E pronto. Uns melhor, outros menos bem, começámos a trabalhar e a ganhar (logo) relativamente bem. Não havia sobressaltos. A vida corria como planeado, temos 30 anos e não havia crises.

Claro que havia (ainda há) as ameaças do terrorismo, mas que também servem para financiar o produto armado. E o que é armado dá dinheiro. E se dá dinheiro a máquina funciona.
Dinheiro. Títulos comerciais. Bolsa. Mercados. Tudo seguro. Tudo vazio e feito de areia.
Como este clima de sagrada abastança não podia continuar por muito tempo, comecei a dizer aos meus amigos que algo vinha para aí. Tinha que vir. Falei em voltar à enxada. E que podíamos ser forçados a experimentar uma luta selvagem pela sobrevivência. Disseram que exagerava. Que era medo.
E, de repente, a crise do sub-prime de 2008 parecia dar-me razão.
Histeria total. Pânico. Madoff. Suicídios financeiros. Lehman Brothers. Casas entregues a troco de Zero. O dinheiro (afinal) não existia. Era tudo ficção. Era o fim. O fim das nossas sociedades, o fim do nosso estilo de vida. O fim.

Mas... amainou, e, como vivemos tão obcecados por uma ilusória segurança, as coisas começaram a voltar ao normal. Os Bancos a emprestarem o dinheiro que não têm, os Governos a usarem o dinheiro que não é deles, e todos a vivermos uma doce realidade virtual. Universo paralelo.
Amainou. Só amainou porque se adiou desenrascadamente até ao impossível. Porque agora voltámos ao expectável. Portugal recorre ao FEEF e ao FMI e nós que julgávamos estarem tão distante os anos 80, voltámos à mesma, como o aluno que chumba e nunca aprende. Ao menos a mudar de vida. A fazer outra coisa.

É aqui que me separo do Tyler: "Não ficaremos na História. Nada faremos digno de registo." Não acho.
Estamos enfiados num Fight Club tramado. Somos a Geração do Meio, sim, ou a Geração Só. Não temos ninguém ao lado, coisa que não se via nas gerações passadas, onde os pilares fundamentais da sociedade sustentavam tudo e garantiam estabilidade.
Hoje estamos por nossa conta. Os Governos mentem-nos. A Justiça quer ser política. Os Bancos vão à falência. As empresas governam-se. Os jornais dizem-nos o que outros querem dizer. Todos se servem e fazem batota. E a família (quase) inexiste. Muitos avós têm que continuar a trabalhar. Não há reformas. Os putos ficam entregues por aí. E um dia vão cobrar.

Esta é a nossa Revolução. Mudar isto. Este é o nosso Fight Club. E agora aguentar a borrasca que se adivinha. Eu estou cá.

2 comentários:

  1. Temos que ir para a rua lutar, se não aprendermos a votar!

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  2. Andam por aí a dizer que é uma geração "acomodada", muito diferente da de Maio de 68. Eu acho que é uma geração"atrapalhada". Quem não se atrapalha para saber como e o quê fazer, mesmo que seja votar !
    A solução parece-me que estará numa cidadania empenhada. Estaremos dispostos a tal incómodo?

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