sexta-feira, 14 de março de 2014
A tournée
O Advogado levanta-se cedo. De madrugada. Hoje é Porto, cidade colo, alma gémea, do Carteiro e do Candelabro, rojões, o berço do avô querido que ele deixou para nunca mais.
Despacha o serviço. O resto é entregar-se de bandeja ao turismo gratuito de ver tudo e olhar para tudo como se fosse a primeira vez. Ao prazer hedonista que não evita. Que busca. Vivia assim. Vivendo. Entregue ao mundo. Sempre a chupar tudo. A querer tudo. E uma senhora velhota de lindos olhos azuis e sotaque apertado interrompe a conversa para vender uns fumeiros de Lamego que não há melhor !
- Sra. Juíza, não posso demorar que amanhã tenho que estar nas ilhas, em Ponta Delgada.
E lá, como ontem, acaba a apanhar o Sol que cura o inverno e sara as feridas, vai ao mercado, infiltra-se do ar cristal das ilhas desconhecidas do Raúl Brandão, virado pró mar que bate nos pontões, enquanto fecha os olhos e deixa uma Melo Abreu deslizar na boca.
É sempre assim. Ah, dolce vita !
Lá vem o queijo de S. Miguel e as queijadas de Vila Franca do Campo, e o chá preto da Gorreana (que estava a acabar) e na origem sabe melhor porque fala como a gente do sotaque insular.
Nunca se repete, porque é tudo sempre diferente e os olhos nunca vêem duas vezes. Na outra semana foi o Funchal, 30 anos depois !
- Sr. Juiz, não chegámos a acordo e tenho um avião para apanhar.
Mas antes há um café que espera na praça central. O Advogado sente-se mandatado para um verão húmido e colonial. Trópicos.
Na varanda do Café Central que dá para a praça, lê as gordas do jornal (e só ! porque o resto aborrece) e fuma um cigarro demorado, para a espetada do almoço (que pingava o sangue da vaca) não acordar mal disposta. E traz coisas para os miúdos que nunca vieram. E um Madeira para beber com o Pai quando puder.
Em Janeiro foi a Chaves, quando o Marão está nevado, e traz-me lá uns pastéis. Sim, mas primeiro esta costoleta barrosã (por Deus !).
Ou Braga, Mangualde e Arganil. Ou Guarda, Castelo Branco e Covilhã. Mirandela é no fim do mês. Mas tem que ser rápido se há jogo europeu na Luz.
Na volta a Portugal, o Advogado dá tudo de si, transpira palavras e argumentos que brotam às vezes nem ele sabe bem de onde e que são tudo o que ele tem e acredita. Tenta fazer a diferença, deixar a sua marca, mas oferece também o peito todo despido para voltar ferrado. Amor com amor se paga, é o que pensa.
O Advogado em tournée sofre porque vive sozinho. No Alentejo ou mais a Sul, fica molhado do suor ainda antes de chegar à barra.
E mói o corpo e as costas com tantos milhares de quilómetros de estrada ou de comboio ou quando perde o chão e vai a voar e isso é que é pior.
E, por isso, é que busca a companhia de todos com quem se cruza. E ama isso e chupa tudo o que consegue. Todo o tutano para ganhar o dia, que é aquilo que leva deste mundo quando partir de vez.
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