de Rita Sousa Tavares
«Faz uma neblina danada e um calor de muitos graus. Você acorda de manhã, chega na praia e repara que ela acordou muito antes de você. Faz tempo que os cocos já chegaram nos quiosques e as cadeiras e barracas estão ali desde a madrugada. Nas praias do Rio de Janeiro as possibilidades são infinitas. (...) À direita, o Morro Dois Irmãos - aquelas duas montanhas pontiagudas que ficam guardando a praia a vida inteira. À esquerda, o Arpoador - a pedra gigante que divide o mar ao meio. Algumas pessoas dizem que, se a orla fosse gente, Dois Irmãos seria o pulmão e Arpoador o coração. É assim que o carioca olha a sua praia: de um jeito muito cheio de ternura. Mas, entre Dois Irmãos e Arpoador, vão centenas de passos e diferenças. Afinal, o posto 12, aos pés do Morro Dois Irmãos, fica ali encostadinho no Leblon. E o posto 7, Arpoador, é quase a curva de Copacabana. Entre um e outro, todas as tribos se acham: tem a área do sossego, a área da confusão, a área gay, a área do surfista, a área do jogador de futebol e a área do adepto de cerveja. Tem a área da música muito alta e tem até a área da malhação. Isso, até chegar na curva, que a partir daí é tudo uma outra história: de Copacabana ao Leme a gente dá de cara com novas tribos, novos jeitos e até novos mergulhos. E é no meio de toda essa divisão que se encontra o lugar mais democrático do Rio de Janeiro. Sim, a praia é o lugar da pacificação: todo o mundo mergulha com a mesma alegria. Todo mundo se espanta, do mesmo jeito, com a forma com que a luz atravessa os morros e vai incidir ali, naquela água. Todo mundo usa muito pouca roupa, todo mundo prefere o coco mais gelado. Ah, é: em dia de muito calor, ganha o cara da barraca que tiver o coco mais gelado. Naquela hora, naquela praia, todo mundo sabe que está na melhor cidade da América do Sul. E esse grito quem o deu foi Maria Bethânia, ali no começo da década de setenta, quando abriu os pulmões e cantou: "vivemos na melhor cidade da América do Sul, baby I love you !"
O grito ainda fica fazendo eco todo o dia, por todos os lugares. Sim, o amor está espalhado pela cidade inteira e ele arrebenta em seu esplendor naquelas praias. (...)
Nessas praias, em cada canto há uma história, uma canção. Um garoto chamado Jeferson pedindo sua namorada em casamento. Um motorista de ônibus mergulhando no fim da hora do expediente. O vendedor de tatuagens provisórias sugerindo que você desenhe uma palmeira em suas costas. Paco, o peruano, sentado no calçadão de Ipanema, explicando para você como aquela pulseira que ele está vendendo foi feita num dia em que sentia muita saudade de casa. O dono da barraca te chamando pelo nome e te alugando a melhor cadeira. Homens e mulheres jogado "altinho" numa roda meio desordenada. A galera do vôlei, numa grande misturada de idades, todos de corpos muito dourados - são anos e anos de sol brilhando junto da rede - e a rede é seu maior orgulho. Alguém dando o mergulho noturno naquele fevereiro muito quente, entre uma cerveja e outra. (...)
A praia, no Rio de Janeiro, é a gema que brilha sem parar. O tesouro sem dono, que é de todo o mundo. E ele se acha nas mãos de todo o surfista, todo o vendedor, todo o rico, todo o pobre, todo o turista e todo o homem trabalhador. A orla é a alegria que não morre e que, ainda assim, todas as manhãs ressuscita.»
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