"A enorme importância que os
filhos têm hoje na vida dos seus pais arrasta consigo uma
sombra negra: a
sensação de uma vida esmagada pelo peso da responsabilidade, tanto em termos
pessoais como profissionais. O pai do século XXI vive permanentemente em falha.
Queria estar mais tempo com os filhos, mais tempo no trabalho e mais tempo
sozinho.
(...)
O humorista americano
Louis C.K. andou a arrastar-se durante 20 anos por bares, palcos e programas
televisivos de segunda categoria sem que ninguém lhe prestasse grande atenção.
Até que um dia foi pai, e num espectáculo ao vivo, em meados dos anos 2000,
decidiu tratar a sua filha por “cara de cu” (“asshole”,
no original) e dizer que finalmente “compreendia os pais que atiravam os seus
miúdos para o lixo”.
Adam Mansbach, graças ao sucesso planetário de um falso livro infantil chamado Vai Dormir, F*da-se (edição portuguesa da Arte Plural), protagonizado por um pai desesperado que tenta convencer o seu filho a adormecer através de versos tão subtis como:
O gatinho junto à gata se aninha
E o cordeiro ao pé da ovelha busca calor.
Estás aconchegado na tua caminha,
Agora, f*da-se, dorme por favor.
O gatinho junto à gata se aninha
E o cordeiro ao pé da ovelha busca calor.
Estás aconchegado na tua caminha,
Agora, f*da-se, dorme por favor.
A Lua no céu está a aparecer
E as estrelas já brilham, meu amor.
Leio mais uma história, pode ser,
Mas, f*da-se, depois dorme, por favor.
(...)
Ser pai, portanto, é insuportável e cada vez mais difícil, enquanto ser solteiro é cada vez mais comum e divertido. Mas como Émile Durkheim, pai da Sociologia, descobriu no distante ano de 1897 ao escrever O Suicídio, as pessoas casadas matam-se menos do que as pessoas solteiras, as pessoas viúvas matam-se mais do que as pessoas casadas mas menos do que as solteiras, e as pessoas com filhos matam-se menos do que todas as outras. Quando um casal tem filhos, diz Durkheim, o “coeficiente de preservação” praticamente duplica. Segundo ele, existe uma relação muito forte entre a formação da família e a preservação da vida.
(...)
Em resumo, e avançando para o tal final que se quer feliz: ser pai em 2014 é muito difícil, por vezes desesperamos e sem dúvida merecemos mais atenção do que aquela que nos tem sido dada. Olhar mais dedicadamente para as angústias da paternidade, exterminar de vez o discurso cor-de-rosa dos bebés cutchi-cutchi seria uma actividade muito útil e, a bem da propagação da espécie, extremamente proveitosa. Ainda assim, a paixão pelos filhos não diminuiu. Pelo contrário: nunca antes pensámos tanto neles, nunca tivemos tantos problemas de consciência por não estarmos com eles e nunca a nossa vida nos pareceu tão deslocada sem eles. Todos temos consciência disso, a cada minuto do dia. Incluindo naqueles momentos — tão frequentes — em que os nossos filhos nos parecem apenas uns caras de cu."
E as estrelas já brilham, meu amor.
Leio mais uma história, pode ser,
Mas, f*da-se, depois dorme, por favor.
(...)
Ser pai, portanto, é insuportável e cada vez mais difícil, enquanto ser solteiro é cada vez mais comum e divertido. Mas como Émile Durkheim, pai da Sociologia, descobriu no distante ano de 1897 ao escrever O Suicídio, as pessoas casadas matam-se menos do que as pessoas solteiras, as pessoas viúvas matam-se mais do que as pessoas casadas mas menos do que as solteiras, e as pessoas com filhos matam-se menos do que todas as outras. Quando um casal tem filhos, diz Durkheim, o “coeficiente de preservação” praticamente duplica. Segundo ele, existe uma relação muito forte entre a formação da família e a preservação da vida.
(...)
Em resumo, e avançando para o tal final que se quer feliz: ser pai em 2014 é muito difícil, por vezes desesperamos e sem dúvida merecemos mais atenção do que aquela que nos tem sido dada. Olhar mais dedicadamente para as angústias da paternidade, exterminar de vez o discurso cor-de-rosa dos bebés cutchi-cutchi seria uma actividade muito útil e, a bem da propagação da espécie, extremamente proveitosa. Ainda assim, a paixão pelos filhos não diminuiu. Pelo contrário: nunca antes pensámos tanto neles, nunca tivemos tantos problemas de consciência por não estarmos com eles e nunca a nossa vida nos pareceu tão deslocada sem eles. Todos temos consciência disso, a cada minuto do dia. Incluindo naqueles momentos — tão frequentes — em que os nossos filhos nos parecem apenas uns caras de cu."
"E se ter filhos não for assim tão giro?", por João Miguel Tavares e Nuno Ferreira Santos, in revista 2, 'Público'
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