Que triste.
Tu sabias tudo de nós. E nós só adivinhávamos.
Viveste submerso no oceano escuro da tua mãe que era o melhor coito que podias ter. Mas depois desaguaste num rio enorme de sangue que quase a matava.
Mas que triste.
Nunca saberás como é lindo viver e como são lindos os dias, mesmo os que não são.
Como é louco o irmão que não tiveste e tão bela a flor da sua irmã. Quem eram os teus avós e o que te podiam ensinar, e as meninas que eram primas.
Nunca saberás o que é dormir com a mulher que se ama ou a surpresa de um beijo.
Como é bom mergulhar no mar e deixar escorrer o sal para dentro dos olhos. E espojar na areia do Verão.
O que é ter bons amigos e passar noites em claro a viver com eles, e acordar no dia seguinte com uma ressaca de rebenta-miolos e depois limpar isso tudo a apanhar uma onda ou ir para um campo de futebol.
O que é pegar num carro pela primeira vez, que tem um rádio velho onde se ouvem os Led Zeppelin. E como é bom sentir o cabelo solto numa mota porque se arrisca e hoje não ponho o capacete.
E nada compensa mais do que acreditar e depois defender, sobretudo quando censuram.
Que viajar é a melhor coisa do mundo. De comboio.
Como é o mar em Zanzibar. Como são vazios os desertos de Sprengisandur ou do Sahara mas que nos fazem sentir homens de verdade. Ou como se agradece a Deus beber um gin tónico enquanto se olha para as multidões na praça Jemaa el-Fna.
Como são frescas as manhãs em Buenos Aires, e porque Roma, Paris ou Nova Iorque tinham mesmo que haver. Para nos fazer felizes.
E também não verás a vertigem do abismo dos Cliffs of Moher ou terás o sabor de uma Guinness na boca. Num pub de Belfast cheio de fumo.
Tudo o que tanto nos dão os livros e o cinema. Tudo o que não tem conta. Como uma árvore, um cheiro, uma luz. O pôr-de-sol em Santa Cruz ou o calor que não respira do Alentejo em Agosto. O que é ajudar o pai nas vindimas ou na apanha.
Nunca ouvirás o Requiem de Mozart, nem irás sacar acordes nas guitarras do teu pai. Pensar em música e que se não houvesse sons era eu que os fazia a todos.
Nunca saberás como dói perderes alguém que amas.
Ou o milagre de ter um filho. Que não podias ser.
Este texto é soberbo! Parabéns.
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