quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Obsceno !





E chocante.
A única coisa boa que a nacionalização do BPN podia ter trazido a Portugal acabou em (mais um) naufrágio.


Os Factos:

1. Joan Miró, pintor catalão, cria (entre muitas outras) 85 obras. Há quem atreva que é arte. E boa.
2. Algures no tempo, o BPN (ou as suas sociedades) adquirem-nas. Não sabemos se como investimento, se para decorar corredores ou salas da Administração.
3. O BPN entra em falência.
4. O Estado nacionaliza o Banco, onde injecta milhões e milhões de euros dos contribuintes.
5. O Banco é alienado (mas só com os activos).
6. Alguém descobre a colecção Miró. Sim, alguém a viu.
7. O secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, diz que a sua aquisição não é considerada "uma prioridade no atual contexto de organização das coleções do Estado".
8. Os quadros, avaliados em 36 milhões de euros, seguem para Londres, onde serão leiloados pela "Christie's".
9. A venda das obras é contestada por um movimento cívico (da Casa da Liberdade Mário Cesariny e Coletivo Multimédia Perve), que lançam uma petição aprovada por unanimidade na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura.
10. No parlamento, os partidos da oposição apresentam propostas de resolução para travar a venda, que foram chumbadas pela maioria que apoia o Governo. 
11. O PS requer à Procuradoria-Geral da República que o Ministério Público desencadeie medidas cautelares que não permitam a venda dos quadros.
12. O Tribunal Administrativo indefere a providência cautelar com os seguintes fundamentos essenciais:

          a) "(...) aquilo que se apurou foi que quem adquiriu as 85 obras foram duas sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, concretamente, a Parvalorem, S.A. e a Parups e não o Estado".
"(...) a decisão de alienação das 85 obras de Miró ora em apreço, não foi tomada pelo Estado, mas sim pelo conselho de administração da Parvalorem".

          b) A Parvalorem é uma "empresa pública, cujo único acionista é o Estado, através da Direcção Geral do Tesouro e Finanças, ou seja, não estamos perante uma decisão administrativa, mas sim um ato de gestão de uma sociedade anónima alheio ao uso de qualquer poder de autoridade, pelo que não pode tal ato ser imputado à 1.ª entidade requerida, o Ministério das Finanças, enquanto entidade pública administrativa".

         c) "Não pode este tribunal emitir qualquer ordem dirigida a qualquer membro do Governo, relativa à forma de exercício dos seus poderes da sua função acionista".

13. O leilão é suspenso porque aparentemente a Lei de Bases do Património Cultural foi violada pelo que, segundo a decisão, a "expedição das obras é manifestamente ilegal".

What now ?

A verdade é que, por muito que se queira à cultura, dificilmente a decisão do Tribunal poderia ser outra. As regras processuais de competência impunham realmente que a providência cautelar tivesse sido intentada em outro tribunal.
Mas o ponto central desta triste polémica é que caiu-nos no colo uma colecção de pintura de um dos maiores artistas do séc. XX e o que é que acontece ?
Primeiro, omite-se da opinião pública a informação, durante uns bons 7 anos. Depois, vai-se tratando de pôr tudo ao fresco antes que se levante o bedelho. Quando é impossível esconder a informação, diz-se que custa caro e os sacrifícios dos portugueses exigem maior ponderação. 
Não ocorreu a quem tem responsabilidades no assunto que (i) têm um dever de transparência e de zelar pelo interesse público, (ii) não estamos a falar de sacos de batatas (com o devido respeito pelas batatas) e (iii) podia ter sido exibida a colecção ao público durante estes sete anos, em vez de a terem encerrada numa caixa-forte qualquer. 
O Sr. PM refere hoje que os custos em manterem a colecção na posse do Estado seriam de igual montante ao valor em que estão avaliadas. Não se percebe - porque ele não diz - de onde lhe vieram os dados para fazer tão singular afirmação. Também não lhe lembra que, durante esse tempo, teria um retorno, senão cultural, pelo menos económico, até turístico, caramba !, um governo que tanto se pela por dedicar o país ao turismo.
Mas nada nos deve espantar num governo que vive obcecado por contas (quais ?), cujo horizonte é de os cidadãos serem apenas números, em que se fazem leis sistematicamente contra a Constituição, em que se fecham maternidades, centros de saúde e hospitais, tribunais, agências dos correios, em que o cumprimento das metas do défice se sobrepõe a tudo o que respira, e, portanto, que a cultura, a arte, o oxigénio da liberdade não sejam, obviamente, a prioridade.
A Christie's adiou o leilão. Tínhamos aqui, outra vez caída do céu, uma oportunidade para fazer bem as coisas.
Mas, como burro velho não aprende línguas, este governo de acéfalos vai, certamente, esbanjar uma herança a troco de nada.

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