quinta-feira, 30 de junho de 2016

Nas Barbas do Pajé (crónica sem jeito para uma noite boa)




Amarante.
Não é terra, embora seja. Amarante é um rio todo de pensamentos.
Da última vez, tínhamos visto "o filósofo" bem longe, há sete, oito meses, do outro lado do Atlântico, no Rio, Marina da Glória, com o seu grupo de sangue, Los Hermanos. Ainda não escrevi sobre esse concerto e viagem, mas vou fazer. Difícil ainda.
A Raquel descobriu que ele vinha cá. Mandou um mail e em cinco minutos a malta já tinha toda dito que sim. E em dez, tinha os bilhetes na mão, ou na net, ou no espaço. Mas tinha. Primeira fila do Tivoli. Luxo na terra é isto.
Amarante é um rio a pensar. Demora-se nisso. Perde-se em afluentes, conversa um pouco e depois regressa ao chão. É todo um processo a fluir.
Veio a Lisboa, e fala da tensão que é falar em português para portugueses. Como quem tem um corpinho jeitoso e tal, mas que está "mal dormido, mal vestido, um lixo", que era melhor conhecerem-no às três da manhã, depois de uma garrafa de gin, seria belo, "alto e louro", o poema que escreveu nos camarins pouco antes.
As luzes baixam, está tudo escuro, excepto a figurinha dele. Quase suspenso.
Depois toca. O "Cavalo", claro. Todo, ou quase, mas não só. Vai improvisando o caminho. Seguindo os trilhos que vão aparecendo à frente, os tais afluentes onde "tudo pode acontecer", no "perigo da vulnerabilidade", exposto, a solo, sem poder fugir ou se esconder.  O som perfeito. Acústico. Na guitarra e também no órgão onde o vemos outra vez a afluir. Regressa à guitarra como se fosse a outra margem. "I'm ready". O par com a outra, "The Ribbon". Conta as canções. As histórias. Fala delas e com elas. Personagens do Eu. Que dorme mal e tem insónias.
Toca. Canções novas, que nunca tocou, que descobriu durante a tarde, no palco, quando ensaiava o show.
Solta "O Cometa", escrita para um amigo "que não existe mais". Limpa os olhos. De cima pedem-lhe o "Tuyo", da "Narcos", mas ainda é cedo demais e ele pede para desobedecer. Primeiro a viagem que o Avô lhe disse para fazer, mesmo depois de morto, aos Trás-os-Montes, embora seja a Amarante. Onde vai. Para chegar ao "Tardei".
O som está óptimo. Melhor que em certos discos. "Tardei", explica, é a "projecção". Com que se embala para o caminho que falta, na busca eterna do Devir, digo eu.
Então "Tuyo". Que é como quem diz, nosso. Mas também "Condicional" do grupo de sangue. Desaguando no "Evaporar", de quando foi 'Little Joy', com que terminamos o nosso banho de imersão.

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