sábado, 10 de abril de 2010

A Nossa Mãe

A minha Avó Aida não tinha defeitos. Não tinha.
Uma Avó com olhos para os outros, para os filhos, para os netos, e, mais tarde, para os primeiros bisnetos.
Devoção ao marido. Devoção total ao Avô F.. Até na data em que escolheu partir.

No último fim-de-semana que esteve connosco, quis despedir-se de nós. Percebi isso. Brincou com a M., pondo as cartas, e quis, mesmo, pegar no R. ao colo (o que já não fazia há algum tempo por receio). Claro que lho dei para as mãos. Foi uma vontade final. Clara. Forte. Certa.
E viu-o, pela primeira vez, dizer adeus com a sua mãozinha. Despediu-se de nós.

Na segunda-feira seguinte, há quatro semanas, entrou no Hospital.
Já não podia mais, da longa e feliz caminhada que começou num apaixonado bailarico de aldeia onde conheceu para sempre o meu querido Avô.

Deu tudo, sempre tudo. E a todos.
Para ela nada. Só queria ver-nos. E ver-nos bem. Nunca a ouvi pedir nada. Nada. Não queria incomodar, como costumava dizer, e era feliz assim.
Até no final, nos quis dar tempo.

Choro.
Mas estou em paz, querida Avó. Por ter tido a sorte de a conhecer, de me saber seu neto, neto de uma maravilhosa Senhora, uma Flor. Por lhe ter beijado a face e conhecido as suas mãos. Por ter tido aquele sorriso doce, calmo e meigo com que sempre nos acolheu. Por poder um dia dizer, aos meus filhos, que os primeiros casaquinhos que vestiram foi a Bisavó Aida que os fez.

Mãe. Mãe.
A minha boa Avó costumava lembrar que um dia (teria eu 4 ou 5 anitos) me pôs de castigo, separado da minha irmã. Foi a única vez que isso aconteceu. Deve ter sido sério.
Entre soluços e algumas lagrimitas, contava ela com gozo, terei dito: “Ao menos, quando ela morrer, não vou ter pena nenhuma !”
Ria sempre que contava esta história. Gostava dela.
E eu, enfiado no chão, arrependido por um dia ter dito o que disse.
E, talvez por isso, quando ela contava esta história, eu, em absolvição, contava logo outra: outra vez de castigo. Nessa, a minha Mãe. Não podia ir para a rua jogar à bola.
Foi então que, apanhando-a ao telefone com a Avó Aida, lhe tirei o telefone da mão e implorei que intercedesse junto da filha. Não com estas palavras, claro. Mais ao estilo de umas queixinhas, que a Mãe não me deixava ir para a rua. E a malta estava à espera.

Devolvi o telefone à minha Mãe e, dois segundos depois, estava na rua. Para jogar.
Mãe, portanto.

Avó a quem tantas vezes recorri, que tantas vezes me recebeu em sua casa, com um pratinho quente para o almoço. E ficava-me a ver. E, sobretudo, a ouvir.
Querida Avó:

Obrigado. Obrigado, querida Avó. Não tomes mais conta de nós, mas desce, Flor do Céu, sempre que precisarmos.
Este é o meu beijo.

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