sábado, 15 de dezembro de 2012

"Lisboa Song"

«(...) ela abriu os olhos, espantada, disse-me, afinal não sei nada de ti, é como no princípio, percorremos juntos o mesmo caminho e, no fim, sabemos tanto como antes, os caminhos não são os mesmos, disse-lhe, apenas durante algum tempo correm lado a lado, e isso é o melhor que o engenho humano consegue construir, duas linhas sinuosas em prodigioso equilíbrio, conservando entre si a mesma distância relativa pelo mais longo período de tempo possível, mas o que existia antes como que se apaga, dissolve-se na obsessiva procura do presente, agora amo-te, e é um único instante, e esse instante é também a mágoa de te perder no instante seguinte, e a angústia de poder não te ter encontrado no instante anterior.
       Ela avançou para mim, com as mãos atrás das costas, repetiu o meu nome, uma, duas, muitas vezes, e parecia ouvir dentro de si o eco que o dizia. Depois, perguntou-me, apenas um instante ?, eu fiz que sim, e beijámo-nos, mas nessa altura já sabíamos que estávamos condenados ao terror do instante a seguir.»

António Mega Ferreira




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