(...)
O primeiro ponto que é obrigatório suscitar nesta discussão associa-se a uma questão de legitimidade. Joacine foi eleita por cidadãos que conheciam perfeitamente as suas limitações comunicacionais. Saber se teve os votos que teve por isso ou apesar disso é irrelevante. O seu mandato tem exactamente a mesma solenidade, legitimidade ou respeitabilidade que o mandato do mais eloquente dos deputados. De resto, a vida de um deputado é muito mais do que falar em público. Há estudos, relatórios, ideias, actos de fiscalização do executivo ou propostas de lei que bastam para definir uma política.
Um deputado, porém, tem de falar. Aos seus pares e ao país. Boa parte da imagem que constrói e projecta passa por essa necessidade. A arte da oratória é importante desde os primórdios do parlamentarismo por uma razão óbvia: é através da discussão que se faz política. Seja no plenário ou nas comissões, dificilmente a deputada do Livre poderá dispor dos argumentos dos adversários para influenciar os cidadãos da bondade das suas propostas. A gaguez de Joacine é uma realidade com evidentes impactes políticos que só por hipocrisia se pode ignorar.
Ela pode ganhar experiência e melhorar a sua comunicação. Se não o conseguir, mesmo que à custa de uma debilidade alheia à sua vontade, só por comiseração deixará de ser avaliada negativamente no seu desempenho. Nem ela o merece, nem a verdade democrática o tolera.
Joacine foi eleita e o seu mandato como deputada está nas suas mãos. Só ela pode decidir o destino e as consequências dos votos que recebeu. Mas, como com todos os deputados, o seu desempenho é alvo de escrutínio. Pelo que sabemos até agora, as suas dificuldades discursivas limitam de forma severa esse desempenho. Não o admitir é absurdo. Não o afirmar é-o ainda mais.»
"O que está em causa com a deputada do Livre?", Manuel Carvalho, 'Público'
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