sábado, 6 de fevereiro de 2016

Requiem de Bowie


'Blackstar' não é um disco fácil.

É sempre complicado perceber que um gajo sabe que vai morrer e põe tudo o que lhe resta no seu último documento. Porque nos colocamos na pele dele e é quase cadáver. E não queremos assistir a isso.

É duro, porque é um disco de que já sabemos (saberemos mesmo ?) o fim.

Mas nesta luta interior com um som preparado do, ou para o Além, resistimos muitas vezes. Damos tempo. Evitamos.

O Advogado vai para o Norte. Tem jornada dupla em Mirandela e no Porto. Transporta os processos e a toga, mas leva o disco no carro para o deixar respirar.

Recusa pô-lo a tocar quando vai para cima, porque já vai deprimido a pensar no trabalho que tem, que o obriga a sair de casa às nove e meia da noite, deixando família para trás, para chegar ao Porto à meia noite, e em vez de ir p'rá 'Movida', vai mas é p'rá caminha, porque no dia seguinte tem de se levantar cedo, para fazer mais 167 kms até Trás-os-Montes, subir e descer o Marão numa IP4, louca de carros e mais louca de TIR's, e onde acha que até pode morrer pelo caminho.

Ouvir um testamento ainda por cima, só se fosse para se enterrar de vez.

Depois, como as coisas correm bem, e passados dois dias já tem direito a casa ao fundo do túnel, regressa mais feliz. Pensa na família, que o aguarda. Saltinhos, beijos e abraços. Decide, então, colocar o disco a tocar. Ouve-o bem e com a calma necessária. E já assenta. Porque é brutal.

Som difícil, sim. Minado. Corroído por dentro. Parece feio, enfermo. Agoniado. Doloroso. Negro definitivamente. Obra do autor. Como Mozart. Terrível de triste e oposto à explosão musical de outrora.

Um disco que só se pode ouvir em certas circunstâncias. E isso é maravilhoso !

Depois chegamos a casa. 7 e meia de sexta-feira, radiante por estar são e salvo e ver todos…. Para meia hora depois já não controlar berros, de quem precisa de pôr ordem no tribunal. É quando pensa "mas caramba ! quando será que um gajo tem direito a ser totalmente feliz ?", "Mas sou. Mas então que é isto ?". E depois lembra-se do Rio, e da beleza do que é raro.

Pronto, adopta a postura de um São Bernardo: deita-se no chão e diz "façam tudo o que quiserem." Desejando rapidamente que chegue sábado para ir jogar à bola com os amigos.

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