Quando o Chiado ardeu, tive medo, claro que tive medo.
Da sala dos avós na Defensores de Chaves onde seguia o directo naquele fim de férias, parecia que podia queimar a cidade toda e chegar a nossa casa. Aos 10 anos é difícil não temermos o absoluto e acharmos que tudo é assim.
A notícia era que o incêndio tinha começado no Grandella, e aí comecei a perceber que ia perder o enorme armazém, de uma cidade sem centros comerciais, que tinha o primeiro andar só para brinquedos. Um andar revestido de paredes inteiras de brinquedos todos empilhados de cima a baixo. Na altura, a boca escancarava de espanto e maravilha quando vinha o Natal. Achei que ia ficar para sempre sem isso.
Também já se sabia que a loja da Valentim de Carvalho, onde às vezes acompanhava o Avô, ia à vida (depois mudou-se para a grande loja do Rossio, depois acabou).
Lembro-me das acusações ao Abecassis, das enormes divisórias de pedra encrustadas ao longo da Rua Garrett e que, enfiadas no meio, pareciam feitas para rejeitar a entrada dos bombeiros com os carros. Apagar, portanto, só à mangueirada, em cima dos telhados e em mangas de camisa. E ninguém a sossegar ou a contar o suor que escorria no pavor do rosto dos heróis que deviam salvar. Aos 10 anos achei que a cidade podia ir-se toda.
Lembro-me depois de chamarem o Siza Vieira, espécie de Messias salvador e de todos acreditarmos em Deus-Sol. Siza profeta da reconstrução e da nossa paixão.
Também não esquece nunca terem descoberto os responsáveis. De o Chiado ter ficado na penumbra da cidade, cinzento e frio, soterrado nas cinzas durante oito ou dez anos, e de nos ter feito falta.
Em Portugal, até parece milagre !, mas ressuscitou e foi devolvido. E agora está belo e é de todos outra vez.
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