Na rua não se fala noutra coisa. Não ouço perguntar “acha que ele se safa?” Ouço sim, vez após vez, dizer “Deus queira que se safe”. Já vimos Mário Soares sair-se bem de tantas encrencas e azares que não podemos deixar de ser optimistas. Queremos que ele recupere e possa voltar com gosto à vida. Nunca me tinha sentido parte de uma ansiedade pública pela saúde de uma pessoa. É como se Mário Soares fosse da nossa família - e não só da família humana. Mesmo quem não o conhece sente que o conhece. Deve ser por isso que se mistura tanta preocupação com tanta boa vontade.
Pode não ser lógico nem realista o que sentimos mas o facto de ser sentido merece ser registado e saudado, por ser tão raro e, apesar de causar sofrimento, por ser comovente. Não se deve inteiramente à personalidade irresistível, fascinante e marota de Mário Soares. Ouço muitas pessoas a falar numa dívida, com essa mesma palavra: devemos-lhe a nossa liberdade. É uma dívida que nunca se consegue pagar. Pagamos com a nossa consciência dela e com a nossa gratidão. É essa liberdade que eu tomo para dar conta que estamos, mais uma vez, a contar com ele."
Miguel Esteves Cardoso, in 'Público', 14/12/2016
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