O Futebol.
Autor de magia. De artes circenses. De malabarismo com os pés. Daquilo que só imaginamos em sonhos com um sorriso na cara. Responsável pelo momento sagrado de pausa na pressa dos dias para dar sentido final à palavra Homem.
Que brilho especial tem este jogo, capaz de juntar rapazes de todas as idades, credos e nações, e que junta homens, de novo meninos, para correrem atrás de uma bola ?
Que atracção magnífica tem este objecto, esférico, feito de couro, ou de borracha, de papel ou trapos velhos, e que nos faz correr para trás e para a frente, para trás e para a frente, para os lados também, durante uma hora, às vezes mais, só para o tentar enfiar naquela caixinha de rede, onde deve morar ?
Que fenómeno este, o do futebol !
Em 1914, até permitiu as célebres tréguas do dia de Natal.
Duas equipas de soldados – alemães e britânicos – interromperam a refrega, pousaram as armas, saíram das trincheiras e jogaram à bola, como se a guerra tivesse sido apenas o singular pretexto para se encontrarem ali, naquele campo, àquela hora, para ver quem marcava mais golos.
Pois é aí, em Ploegsteert Wood, nos campos gelados da Bélgica, que hoje repousa uma cruz e suas parceiras as bolas, marcando o dia em que um grupo de rapazes, cansado de lutar e da miséria das balas, e arriscando uma sentença por traição, interrompia a Iª Guerra Mundial para dar uns chutos na bola. Era dia de Natal, camaradas !
Talvez só uma bola fosse capaz de tamanho milagre. Estão ali para não esquecermos que somos todos homens. Que é o mesmo que irmãos. Pelo menos enquanto nos lembrarmos de sair com uma bola para a rua.
Hoje, no mundo inteiro e por essa Europa fora, há novas guerras em curso. Ainda esta semana, a morte voltou a sangrar. Tão perto do Natal. Não houve uma bola que interrompesse o seu caminho. E há crianças, mulheres e famílias que choram os seus e não vão ter Natal.
Quando penso nos assassinos de inocentes, acho sempre que algures entre a sua infância e a vertigem do abismo negro para onde mergulharam (e para onde atiram os outros), lhes faltou alguém que lhes passasse uma bola. Que os chamasse. Que lhes dissesse “Há jogo no sábado. Precisamos de um gajo. Vem jogar.”
Ou que intercedesse junto de suas mães para que o filho descesse. “Só um bocadinho. Até à hora do jantar. A malta está aqui na rua. E ele é preciso para o 5 x 5. Deixe-o vir jogar.”
Jogar. Porque jogar é brincar.
E é por isso que devemos agradecer essa eterna e renovada possibilidade. O privilégio de nos sentirmos homens, mais do que adversários ou inimigos. Que nos faz crianças outra vez. Porque é essa busca de partilha, do momento, da celebração, de uma bola, que nos torna a todos mais humanos. E menos grotescos.
Amigos, obrigado.
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