O leitor
tem opinião sobre o caso José Sócrates? Não tenha. Isso configura um delito de
julgamento na praça pública. A não ser que ache que José Sócrates está a ser
vítima de justicialismo. Nesse caso, tem licença de porte de opinião. Para não
haver dúvidas, aqui vai uma cartilha com o que é admissível pensar:
a) Avaliar a hipótese de José Sócrates
ser culpado? Não se pode.
b) Levantar dúvidas sobre a idoneidade
do juiz Carlos Alexandre? Pode-se.
c) Questionar as reais motivações do
procurador Rosário Teixeira? Pode-se.
d) Sugerir que Joana Marques Vidal
orquestrou este charivari?
Pode-se.
e) Desconfiar de um propósito tenebroso
do sistema judicial? Pode-se.
f) Suspeitar de manipulação obscura pela
comunicação social? Pode-se.
g) Insinuar que o Passos Coelho lucra
com isto? Pode-se.
h) Alvitrar que Portas é que devia ir
preso por causa dos submarinos? Pode-se.
i) Considerar que Cavaco Silva tem
negócios ilícitos com os seus amigos do BPN? Pode-se.
j) Conjecturar que isto é tudo uma
cabala montada pelo PSD para distrair dos vistos gold? Pode-se.
Em termos de limitação à liberdade de
opinião, só é proibido achar que José Sócrates pode ser culpado. Quem violar
esta disposição tem de se haver com a brigada de trânsito em julgado. De resto,
é tudo debatível.
Mas mesmo a defender José Sócrates há
que ter cautela. Por exemplo, João Soares disse que “excepto por crime de
sangue, em flagrante delito, não aceito a prisão (…) de um ex-primeiro-ministro
como José Sócrates”. Precipitou-se. Mesmo segurando arma pingona de sangue
cravada em cadáver, nunca se aceitaria a detenção de Sócrates. A presunção de
inocência manter-se-ia. Possivelmente seria legítima defesa. Ou um acidente.
Ou, o mais provável, uma armadilha da suposta vítima que se lançara contra
Sócrates enquanto este cortava o pão, para se empalar 17 vezes na faca e
incriminar quem só desejava fazer uma sandes mista.
Entretanto, debrucemo-nos à enorme
parcialidade demonstrada pela Justiça. De todos os ex-primeiros-ministros
vivos, por acaso detiveram Pinto Balsemão no aeroporto por suspeitas de
corrupção no caso Cova da Beira? E à chegada de que voo é que incomodaram Mário
Soares a propósito da falsificação de documentos da Licenciatura em Engenharia?
Ou Cavaco Silva, por alegada troca de favores no caso do TagusPark? E Guterres
por beneficiar de um RERT por ele aprovado? Já para não falar de Durão Barroso,
pelo Face Oculta, e
Santana Lopes, pelo Freeport. Porque é que tinham de embirrar logo com este?
Num ranking de sanha persecutória, José Sócrates
entra directo para o top 5 dos mais injustiçados da História. Neste momento, a
tabela organiza-se assim: 5) Bruxas de Salém; 4) Capitão Dreyfus; 3) Galileu;
2) José Sócrates [nova entrada]; 1) Jesus Cristo. Apesar de uma detenção no
Jardim de Getsémani ser menos maçadora do que na manga de desembarque de um voo
TAP, e mesmo tendo em conta que, na verdade, Jesus estava mesmo a pedi-las, o
Nazareno continua à frente porque a sua condenação injusta originou a maior
religião do mundo. Mas José Sócrates ainda tem tempo.
'Público', 30.11.2014
está brutal...
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