terça-feira, 22 de junho de 2010

Cadernos Marroquinos - 8º e 9º Dias


Levantámo-nos bem cedo para aproveitar até à última o ar da alegre confusão. Sofregamente. Como quem respira o último ar da sua vida. Da varanda do hotel os meus olhos deitavam já saudades para a Jemaa el-Fna, como quando se olha para trás para uma rapariga que parte. Senti-os húmidos. Quando é que a voltaria a ver ?

Demorámos talvez uma hora a arrumar a bagagem na velha 505. As mochilas estavam carregadas com as roupas mal dobradas, com as botas, com os livros e com tudo o que tinhamos junto apaixonadamente naqueles dias, e era preciso arranjar espaço para o artesanto que cada um ainda quis trazer. O mais difícil, verdadeiro quebra-cabeças, foi enfiar uns enormes abat-jours de ferro fundido que o João tinha comprado para oferecer às irmãs. Tinham casa há pouco tempo e os tectos pediam luz. Todos de volta da carrinha, a empurrar tudo lá para dentro, à força, mas com o jeito necessário para não dar cabo dos ditos cujos. Eu e o João Tiago tivemos ainda tempo para preguiçar num último cigarro enquanto folheávamos as páginas do “Le Matin du Sahara” no café em frente.
Arrancámos, então.
Não nos iríamos deitar mais até chegar a casa. Passámos o dia na estrada. Primeiro para Casablanca, a cidade mais infeliz de Marrocos. Uma cidade coberta do mais moderno e urbano betão. Prédios sobre prédios que quase faziam esquecer o Mahgreb daqueles dias. Num cartaz alguém viu anunciar um jogo de futebol, Marrocos-Gâmbia. Decidimos fazer a experiência de ir ao estádio. Ganhou Marrocos por 2-0. Festa rija e a mesma eterna desordem por todo o lado, com muitas escaramuças e estaladas pelo meio... entre os adeptos... marroquinos. Um estado permanente de euforia e trapalhada emocional. Miúdos (e menos miúdos) a galgar para cima e para baixo as bancadas de dois em dois degraus. Confusão.
Comemos qualquer coisa e partimos para Rabat, a atlântica Rabat, onde chegámos às onze e meia da noite. Apenas para admirar a lindíssima Mesquita Real e desentorpecer um bocado as pernas numa volta pela praia. Pensava naquela miúda em Lisboa e no que lhe queria dizer quando chegasse. Pensava em Marrakesh.
Rodámos para Ceuta. Às dez da manhã passámos a fronteira, sem problemas, mas debaixo da habitual e demorada burocracia.
Algeciras, Sevilha, Portugal.
Em Vila Verde Ficalho parámos para almoçar. Um bitoque e uma imperial. Clássico.

Anoitecia quando vimos Lisboa outra vez. A viagem terminava. Tinhamos feito 4.000 kms completos. Estávamos todos cansados e a pedir uma cama de dois dias.
Vinha apaixonado. Foram nove dias de um obsidiante fascínio e, se eu fosse o John Lennon, dizia “chegámos um dia mais velhos”.

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