O 5º ano da Faculdade foi o melhor ano. É o que digo quando me perguntam.
Tinhamos acabado de regressar com a rapaziada de mais um inter-rail que cercou o continente. E se há um com que se deve terminar uma aventura era este, mesmo que houvesse promessas de um dia voltar ou, depois, ainda tivesse ido de comboio com uma namorada por uma europa mais Europa.
Um mês inteirinho e chupadinho. Como um albergue espanhol do princípio ao fim de entra e sai tudo. De Croácia e dos dias que começavam cedo nos bares de Dubrovnik.
De Sarajevo e da "sarajevsko pivo" e uma viagem tenebrosa de autocarro até Zagreb que não foi traição, apenas a única maneira, que os comboios estavam desactivados. O Leste, os muros de Auschwitz e o rolo a preto e branco que quase chorava, os países do Norte, Tallin do outro lado do mar, e Amesterdão claro que Amesterdão, até Paris, sem dormir, que não havia tempo para isso, pendurados nos suportes que são para as malas a ouvir sabe-se lá que música em sabe-se lá que mundo.
Tínhamos acabado de regressar do melhor inter-rail daquelas vidas e era preciso acabar o que se tinha começado: o curso, já na posição de seniores que não tinham tempo para mais aulas, nem se assustavam com a ameaça dos exames finais. Preciso aproveitar o fim. O fim. Que nos fugia como areia por entre os dedos. E, portanto, ir para o Bairro. E, portanto, uma viagem ao Rio de Janeiro, outra a Marrocos (contada aqui há tempos), a seguir ao exame de Processo Penal com os códigos no banco de trás, e piões da velha 505 a chiar no parque da Católica. E muito mais do que isso.
Sacudirmos do corpo as aulas teóricas para ir para os pontões da Caparica apanhar umas ondas, umas vezes no meu Nissan que era o vosso "mata-esquilos", outras no Fiat Uno cinzento que acabou espatifado e de patas para o ar.
E chorar as nossas mágoas só porque uma miúda já não quer nada connosco, enquanto o bico das pranchas tocava leve na cama do mar. Gostar para sempre desse som.
Nessa altura, brothers, mesmo com o mar gelado, era quase sempre esta a banda-sonora que nos levava para lá.
Foda-se, estou certo ou errado ?
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Quando é que vamos apanhar uma onda ?
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sábado, 29 de janeiro de 2011
O Pantera Negra
Filho,
Acho que está na hora de saberes quem é o Pantera Negra. Isto de ser sócio ou gritar "Golo! " de cada vez que vês o Benfica na televisão, sem saberes um bocadinho mais não chega.
Está a fazer 50 anos que um menino chamado Eusébio da Silva Ferreira desembarcava em Lisboa vindo de uma cidade lá longe, no Sul dos suis, em África, de uma cidade que tinha um nome bonito e que já não existe, Lourenço Marques.
Este menino falava quase como tu, mal sabia português, embora Portugal também fosse Moçambique. Mas sabia duas coisas: que tinha frio (era Dezembro) e que queria jogar à bola. Furar as redes. No melhor clube do mundo. O nosso Benfica !
Logo começou a explodir o festival do futebol que trazia consigo nas pernas. Era um avançado (como o pai gostava de ser), e fazia golos de todas as maneiras. Como era uma pantera, não tinha medo dos adversários e com a força do seu pontapé e a garra que trazia na alma, logo no primeiro ano, empurrou o Benfica para a vitória na segunda Taça dos Campeões Europeus, coisa que o pai não viu, mas ouviu o teu Bisavô e os Tios contar, eles que eram só Sporting. Tão Sporting que iam à Luz esperar que o Benfica perdesse. Que não era fácil confessar que era do luxo e espectáculo que, nessas tardes de domingo, enchiam o relvado. Sem sorte, porque naqueles anos, contavam, as equipas que jogavam contra o Benfica só não queriam ser goleadas.
Mas como era um menino, nunca quis o sonho todo para ele. E partilhava, humilde como a mãe lhe ensinou, com toda a equipa aquilo que muitas vezes só ele fazia. E o Benfica ganhava. Ganhava, mesmo quando perdia. Porque ele dava sempre tudo, que é aquilo que nós devemos dar sempre na vida. Menos que tudo é nada.
Até quando já não era jogador. Até ajoelhar-se na campa de Bella Guttman, o "malvado" treinador bicampeão europeu, e pedir-lhe que acabasse a maldição que o seu despeito nos tinha lançado quando foi despedido. O Benfica ia jogar mais uma final da Taça dos Campeões Europeus.
Enfim, o pai nunca viu o Eusébio jogar e tem pena. Mas sei quem foi o Pantera Negra e as garras que ele afiou a jogar à bola. Por paixão ao nosso clube. Que agora te conto.
Acho que está na hora de saberes quem é o Pantera Negra. Isto de ser sócio ou gritar "Golo! " de cada vez que vês o Benfica na televisão, sem saberes um bocadinho mais não chega.
Está a fazer 50 anos que um menino chamado Eusébio da Silva Ferreira desembarcava em Lisboa vindo de uma cidade lá longe, no Sul dos suis, em África, de uma cidade que tinha um nome bonito e que já não existe, Lourenço Marques.
Este menino falava quase como tu, mal sabia português, embora Portugal também fosse Moçambique. Mas sabia duas coisas: que tinha frio (era Dezembro) e que queria jogar à bola. Furar as redes. No melhor clube do mundo. O nosso Benfica !
Logo começou a explodir o festival do futebol que trazia consigo nas pernas. Era um avançado (como o pai gostava de ser), e fazia golos de todas as maneiras. Como era uma pantera, não tinha medo dos adversários e com a força do seu pontapé e a garra que trazia na alma, logo no primeiro ano, empurrou o Benfica para a vitória na segunda Taça dos Campeões Europeus, coisa que o pai não viu, mas ouviu o teu Bisavô e os Tios contar, eles que eram só Sporting. Tão Sporting que iam à Luz esperar que o Benfica perdesse. Que não era fácil confessar que era do luxo e espectáculo que, nessas tardes de domingo, enchiam o relvado. Sem sorte, porque naqueles anos, contavam, as equipas que jogavam contra o Benfica só não queriam ser goleadas.
Mas como era um menino, nunca quis o sonho todo para ele. E partilhava, humilde como a mãe lhe ensinou, com toda a equipa aquilo que muitas vezes só ele fazia. E o Benfica ganhava. Ganhava, mesmo quando perdia. Porque ele dava sempre tudo, que é aquilo que nós devemos dar sempre na vida. Menos que tudo é nada.
Até quando já não era jogador. Até ajoelhar-se na campa de Bella Guttman, o "malvado" treinador bicampeão europeu, e pedir-lhe que acabasse a maldição que o seu despeito nos tinha lançado quando foi despedido. O Benfica ia jogar mais uma final da Taça dos Campeões Europeus.
Enfim, o pai nunca viu o Eusébio jogar e tem pena. Mas sei quem foi o Pantera Negra e as garras que ele afiou a jogar à bola. Por paixão ao nosso clube. Que agora te conto.
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Sophia
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiamos colher.
Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais a frente
Do que o teu próprio passo.
Antologia, Homenagem a Ricardo Reis, 1972
Hoje e amanhã, Colóquio na Gulbenkian dedicado à obra da maior poeta portuguesa. Que sorte ter sido nossa.
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Bolero
O Bolero é de Ravel, peça de música magistral . Que enfeitiça. Que me fez entrar em Havana mais feliz. Por estar vivo e ter direito a essa benção que brotava do rádio de um carro alugado à saída de São Francisco de Paula.
Mas o bocado do filme não é menos sublime.
"Les uns et les autres" neste bocado mostra um bailarino que é uma serpente. Que dança que hipnotiza: Nureyev. E isto para um homem não é fácil reconhecer. Mas é o que é. Um tipo que se detenha a ver este bocado de filme, não pode dizer menos que isso. Que o bailarino nos prega os olhos ao ecrã e nos embala com a música como se fossemos pequenos outra vez.
Mas o bocado do filme não é menos sublime.
"Les uns et les autres" neste bocado mostra um bailarino que é uma serpente. Que dança que hipnotiza: Nureyev. E isto para um homem não é fácil reconhecer. Mas é o que é. Um tipo que se detenha a ver este bocado de filme, não pode dizer menos que isso. Que o bailarino nos prega os olhos ao ecrã e nos embala com a música como se fossemos pequenos outra vez.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
Baptista Bastos
Hoje, no DN.
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sábado, 22 de janeiro de 2011
Cuba II
Trânsito caótico. Como mandam as regras.
Entra-se em Havana através da escancarada Praça da Revolução onde no alto de um prédio a efígie recortada do el Fuser Che Guevera vigia a revolução. "Hasta la victoria, siempre !". 50 anos de sangue e poesia. Liberdade e ditadura. Feroz e comunista. Tão fácil trair um ideal. O testamento de Fidel, Che e Camilo Cienfuegos, os barbudos da Sierra Maestra.
Entra-se em Havana através da escancarada Praça da Revolução onde no alto de um prédio a efígie recortada do el Fuser Che Guevera vigia a revolução. "Hasta la victoria, siempre !". 50 anos de sangue e poesia. Liberdade e ditadura. Feroz e comunista. Tão fácil trair um ideal. O testamento de Fidel, Che e Camilo Cienfuegos, os barbudos da Sierra Maestra.
La villa de San Cristobal de Habana, o grande edifício do Capitólio e o brilho dos cadillacs, dos buicks e dos pontiacs (de alguns), os últimos automóveis que entraram na ilha de Fulgencio Baptista e dos seus american friends que vinham atrás de mojitos, casinos e do sexo das mulheres cubanas. O Hotel Plaza tem 100 anos. Vêem-se todos. A arte nova que o decora quase cai. O quarto tem uma cama, um toucador, uma cadeira, duas mesinhas e uns candeeiros. Os tectos são altos e a porta range. Gosto.
Pedimos ao guarda do "Gran Teatro" para entrar. Não é hora de espectáculo, mas convenço-o. Subo ao palco e digo "O Mar Salgado".
Cafés. Por todo o lado. Atraem-me sempre. Numa esquina, há um de que o Eça gostava, cônsul de Portugal em Havana. Tem na parede azulejos do Almada. Mesmo em frente aproveito para comprar uma caixa de Partagás Club. Estes guardo-os para o meu Pai, para fumar numa noite quente no Alentejo.
Havana la vieja tem praças lindas. Dos edifícios brotam as buganvílias. Na Plaza de Armas há uma feira do livro. É lá que está o Sr. Francisco, um homem que vende livros e discos. Tem 70 anos, a pele clara e os olhos azuis denunciam sangue europeu. Vende-me um livro de fotografias do Korda captadas no dia da Revolução e, com uma bonita encadernação, "La Historia me absolvera", a defesa de Fidel quando foi julgado pelo assalto ao Quartel Moncada.
De uma "sociedad", espécie de restaurante, ouve-se a música do Compay e do Buena Vista Social Club. Há gente que dança. Há mel naqueles corpos. E não é só do calor.
Havana está quase parada há 50 anos. E a beleza vem dessa antiga decadência. E só quem fuma um puro no café do Hotel "Ambos Mundos", quem escuta as bandas na Bodeguita del Medio, quem se enterra nas ruas paralelas da cidade, quem se deixa levar pela maresia das ondas que rebentam no Malecón, quem traz o cheiro intenso das especiarias e quem se perde em conversas de horas com os filhos da ilha - com Ramón Gutierrez, chefe de segurança da Escola Nacional de Ballet que se queixa de como o Estado os asfixia -, gentes pobres, mas carregadas de cultura, educação e compromisso com a vida, só quem olha para tudo com os olhos abertos é que se apaixona. E onde se cansa a máquina fotográfica.
Havana não é Paris, Madrid ou Roma. Nem Nova Iorque ou, sequer, Buenos Aires. É uma terra romântica impregnada de vida e amor. Cheia de História e histórias de dor. E que merece ser livre.
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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
O Inverno do meu (nosso) Descontentamento
Líderes dos principais partidos portugueses em 1980
PS - Mário Soares
PPD - Francisco Sá Carneiro
PCP - Álvaro Cunhal
CDS - Diogo Freitas do Amaral
Líderes dos principais partidos portugueses em 2011
PS - José Sócrates
PSD - Pedro Passos Coelho
PCP - Jerónimo de Sousa
CDS/PP - Paulo Portas
Candidatos à PR em 1986
Mário Soares
Diogo Freitas do Amaral
Francisco Salgado Zenha
Maria de Lurdes Pintasilgo
Candidatos à PR em 2011
Aníbal Cavaco Silva
Manuel Alegre
Fernando Nobre
Francisco Lopes
Defensor de Moura
José Manuel Coelho
Estamos no fim da mais infeliz campanha para as presidenciais. Nunca (acho) uma campanha foi tão ausente e desmobilizadora como esta. Lembro-me de mim miúdo, às cavalitas do meu pai para ver Mário Soares num dos últimos comícios de 86 realizado no Rossio. Estava cheio de gente e eu não via nada.
Hoje as coisas mudaram. Para pior. Em 30 anos, as coisas mudaram. Mário Soares, no optimismo que o caracteriza de quem acredita sempre no futuro, diz que "os políticos são como os vinhos. Há épocas boas e épocas más."
Eu olho e procuro. Alguma coisa. Uma causa, um valor. Uma ideia.
Vejo a infinita pobreza de um Candidato-Presidente, dono de 3001 esgares quando se lhe dirige uma pergunta, mas que insiste nas suas qualidades de homem honesto, sério e competente, que sabe como funcionam os mercados e que não é politico (há já 30 anos !), embora seja responsável pelo caso mais grave de sabotagem política de um governo de que há memória desde que somos livres, que teima que Portugal precisa de estabilidade e tranquilidade (só para assustar), e que deixa que envergonhem o país e não solte nem um ai ! na cadeira.
Vejo candidatos inflamados que se tomam por Kennedy ou Luther King (que citam abundantemente) dizerem "Dêem-me um tiro na cabeça, que só com um tiro é que não vou para Belém !", e que nos fazem questionar os malefícios da malária. Vejo também que a Madeira nos mandou alguém que (só pode) procura divertir. E outros candidatos que, verdadeiramente, não existem.
Não sei se Manuel Alegre será a pessoa certa para o cargo e como eu gostava que o fosse. É quem é. Também o conhecemos. Tem qualidades humanas e culturais. Tem a poesia do seu lado e (acredito) coragem para sacudir a modorra.
O que é dramático é a incapacidade total desta gente toda de conquistar um povo. De chamar ao debate. É a distância a que esta relação chegou, que já nem é divórcio. É de ignorar. É ausência.
Onde é que estão pessoas com a coragem, frontalidade e coerência de Sá Carneiro ? Com a estrutura intelectual de Freitas do Amaral ou o calibre moral de Salgado Zenha ? E o arrojo político de Pintasilgo ?
Que todos se tenham candidatado e, mesmo com os sapos de Cunhal, Soares tenha vencido. Porque a minha vitória sai verdadeiramente engrandecida consoante os adversários que tenho.
Porque se via alguma coisa. Discutia-se muito. Ideias. Falava-se do concreto. A política valia a pena. Não se tratava de meros desfiles e "arruadas". E à noite, os amigos dos meus pais reuniam-se em nossa casa para assistir às eleições. Discutir mais um pouco. E viver com entusiasmo esses dias. De comunidade.
Hoje, é pena, mas duvido que Alegre consiga levar tudo para uma 2ª volta. De que Portugal e os portugueses precisavam. Para se voltar a acreditar. Que é possível.
No dia 1 de Maio de 2002, estava em Paris, entre a primeira e a segunda volta das eleições presidenciais francesas. Chirac tinha tido 19% e Le Pen uns perigosíssimos 17%. França temeu o pior. As pessoas organizaram-se, juntaram-se, mobilizaram-se. Fizeram manifestações gigantescas e gritavam coisas como "Il faut lui barrer la route!". Nesse 1º de Maio que vivi como se assistisse a um 25 de Abril, quase sufoquei entre a Pl. de la Republique e a Bastilha, que a gente cobria a rua. Mas foi lindo e um momento histórico. As pessoas unidas. Foi a França toda em peso contra o extremismo chamado Le Pen, e Chirac venceu.
Sinto que nos pode acontecer o mesmo. Só não sei quem ganhará então. Os extremistas alimentam-se do marasmo e da letargia de quem dá a Democracia por certa.
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Cuba I
De Cuba guardava o cheiro aos charutos comprados numa loja de tabacos em Havana, os primeiros Cohiba que tinha experimentado. Guardava o sabor dos Daikiris ao balcão do "Floridita" com o Hemingway na ponta.
Lembrava-se de fins de tarde na varanda enquanto acabava o Graham Greene que tinha levado pelo meio de um gin tónico.
No rádio do carro passava Debussy, Hendel e o Bolero de Ravel. Na estrada a placa dizia Matanzas. Até chegar a São Francisco de Paula, onde Hemingway durante 20 anos viveu a "Finca La Vigía".
Hemingway rodeava-se das coisas que amava: os livros, espalhados por todo o lado, os troféus que trazia das caçadas em África, os cartazes das touradas que assistiu em Espanha, num canto uma colecção enorme de discos de jazz e as garrafas Campari e Martini com que servia os cocktails. Lá fora, a piscina onde Ava Gardner tomava banho nua. E o barco com que partia para a pesca, para o mar: o "El Pilar".
Lembrava-se de fins de tarde na varanda enquanto acabava o Graham Greene que tinha levado pelo meio de um gin tónico.
Daquela luz sagrada que os deuses lhe deram. E um calor húmido.
De ter chegado a uma vila, de casas decadentes, mas com terraços e balaustradas onde apetecia sempre ficar. Uma vila que tinha praia, que tinha mar, azul, que mar azul ! e areia branca e muito fina.
De ver passar na estrada um Chevy vermelho vivo de 1950. De o ver parar. E enquanto Fidel, não o Castro, mas outro, limpava o pára-brisas e tratava "de uma menina que dá muito trabalho", perguntar-lhe onde ia, se não podíamos ir também. Só para ouvir-lhe o motor e recostar-me nos estofos de pele, quando já falávamos sobre a vida política, económica e social da ilha e se com Raúl (Castro) já era diferente. Conhecer depois a casa dele, a sala, que não era bem sala, porque era a casa, e onde a mulher nos recebeu com um almoço criolo.
Alugar então um carro e partir pela ilha toda, com uma mulher linda de morrer. Fazer o caminho verde de Cárdenas, Colisseu e La Isabel cercados pelos palmeirais, pelas árvores de borracha e por cartazes anunciando "Patria o Muerte, venceremos !", enquanto os guajiros galopavam ao longe.
E oferecer boleia, que o aventóm também é transporte público. Ao velhote de 72 anos que esperava ali sentado há quatro horas. A Olga e Lai, mãe e filho (e ao galo vivo que transportavam na caixa). A Eri que ia visitar a mulher ao Hospital que recuperava de um parto.
Até chegar a Cienfuegos e depois Trinidad, das praças, das lindas casas coloniais, verdes, azuis e rosas que se abandonam ao som dos boleros que as bandas tocam na rua e se espreitam de um pátio interior. Onde Ema enrolava puros como se os tecesse, debaixo de um candeeiro que mal se via.
E conhecer Dª. Teresa, uma senhora sentada na sua cadeira de balouço, posta à porta que dava para a rua, com o cabelo muito branco e a pele curtida pelo sol. Uma senhora que esperava as pessoas, balouçando. Que me parou e me quis falar da vida. Lá onde vivem mulheres bonitas.
Hemingway rodeava-se das coisas que amava: os livros, espalhados por todo o lado, os troféus que trazia das caçadas em África, os cartazes das touradas que assistiu em Espanha, num canto uma colecção enorme de discos de jazz e as garrafas Campari e Martini com que servia os cocktails. Lá fora, a piscina onde Ava Gardner tomava banho nua. E o barco com que partia para a pesca, para o mar: o "El Pilar".
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Bullet Proof
Limb by limb and tooth by tooth
Tearing up inside of me
Every day every hour
I wish that I was bullet proof
Wax me
Mould me
Heat the pins and stab them in
You have turned me into this
Just wish that it was bullet proof
So pay the money and take a shot
Leadfill the hole in me
I could burst a million bubbles
All surrogate and bullet proof
And bullet proof
And bullet proof
And bullet proof
(Radiohead, The Bends)
sábado, 8 de janeiro de 2011
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Vuelvo al Sur, como se vuelve siempre al amor
Não tive oportunidade de assistir ao concerto que o génio de Astor Piazzolla deu no Coliseu nos anos 80. A sacana da idade - malditos 10 anos ! - não deixou.
Mas há dois anos fui ao CCB ver um homem, Richard Galliano. Ele e o seu quinteto de cordas. Vieram a Lisboa tocar Piazzolla. Nem mais.
Para quem gosta de rótulos, Galliano é o sucessor de Piazzolla. Para quem gosta de música... é vê-lo. Qual vê-lo ? Escutá-lo. Fechar os olhos, profundamente, e deixar que a música nos invada e domine o corpo. Abandonarmo-nos no esquecimento do som perfeito dos seus instrumentos de fole.
Galliano toca bandoneón, o instrumento sagrado das milongas argentinas, que é a saudade de Buenos Aires. Toca piano e toca abraçado à sua mulher acordeón. Toca romance. Carrega-nos de alma.
Há dois anos, no intervalo de umas palmas, gritei-lhe da terceira fila da plateia que tocasse o Oblivion, o tema de 'La Meglio Gioventú' que assistimos em duas partes no King. E ele tocou. Como se ma tivesse ouvido e quisesse retribuir.
Voltou no dia 7 de Dezembro. E hoje tocou no Mezzo.
Mas há dois anos fui ao CCB ver um homem, Richard Galliano. Ele e o seu quinteto de cordas. Vieram a Lisboa tocar Piazzolla. Nem mais.
Para quem gosta de rótulos, Galliano é o sucessor de Piazzolla. Para quem gosta de música... é vê-lo. Qual vê-lo ? Escutá-lo. Fechar os olhos, profundamente, e deixar que a música nos invada e domine o corpo. Abandonarmo-nos no esquecimento do som perfeito dos seus instrumentos de fole.
Galliano toca bandoneón, o instrumento sagrado das milongas argentinas, que é a saudade de Buenos Aires. Toca piano e toca abraçado à sua mulher acordeón. Toca romance. Carrega-nos de alma.
Há dois anos, no intervalo de umas palmas, gritei-lhe da terceira fila da plateia que tocasse o Oblivion, o tema de 'La Meglio Gioventú' que assistimos em duas partes no King. E ele tocou. Como se ma tivesse ouvido e quisesse retribuir.
Voltou no dia 7 de Dezembro. E hoje tocou no Mezzo.
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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
A ideia do fim-do-ano
Tenho vindo a deixar morrer a ideia do fim-do-ano, do novo ano, do fim-do-ano. Como as ressacas do dia seguinte faziam prometer.
A deixar que o tempo mate a data do calendário e tudo se trate da linha que continua. O calendário diz que entrámos numa nova década, a segunda depois de 2000 e por isso tudo há-de ser diferente, porque o ano velho ficou para trás e agora tudo vai mudar.
É essa a esperança de viver na ideia do fim-do-ano. Mas há outros calendários e eu olho e os dias vão continuando. Ontem também foi domingo. E amanhã também é terça-feira. E por isso já não me apaixona a ideia do fim-do-ano, o sonho do novo ano, nem me desilude o fracasso das promessas por cumprir. Talvez seja por nunca ter metido uma passa na boca, quando começava a contagem decrescente. Talvez seja ateu. Nunca acreditei naquela pressa toda. Como quem fosse apanhar o comboio. E eu nunca perdi um comboio. Mas depois olho para as pessoas. Vejo abraços e beijos. Dou, claro que dou. E sinto os olhos embaciarem, não sei porquê. Oiço os brindes, e tudo quer enterrar o passado. Começar uma vida nova. Rogam pragas ao ano passado. Pedem ao novo que seja melhor. Como a um convidado que não se conhece e a quem se quer dar uma chance. E lá fora ouvem-se os foguetes a explodir no ar o começo do ano novo, cheios de cor. Tão breves. Tão bonitos. E é então que eu disfarço. Porque eu não me afasto do que foi, nem do que vem. Quero tudo. E então disfarço.
Há algo de irresistível na ideia do fim-do-ano, do novo ano. Nunca saber onde é que se vai mesmo, o que vai acontecer. Que livros se vão ler, que discos conhecer, que filmes vão mexer, que concertos, quem irá tocar para nós. Como é amanhã. E quando se tem filhos a surpresa multiplica por mil. Todos os dias. O que é que vão fazer. O que é que vão fazer ? Não sei.
sábado, 1 de janeiro de 2011
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