sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
"Boa noite", de Pedro Paixão
"Não era preciso falar. Com ela, sim, com ela que era tão bela que a sua beleza enchia a casa toda sem mais nada precisar, talvez não fosse preciso falar. Bastaria olharmo-nos o tempo que fosse preciso para nos vermos e depois ter fechado os olhos e adormecido. E podíamos ter passeado pelo paredão onde batem as ondas do mar, sim, mesmo de mão dada se assim quiséssemos. E podíamos ficar parados a olhar cada um para o seu lado e sentir que o outro estava ali ao lado, igual a ti, calado, a olhar o mar a bater na praia, sim, isso seria muito belo. E podíamos mesmo ter-nos beijado sem dizer uma única palavra porque todas estão a mais e um beijo vale mais do que todas as palavras. Sim, não devia haver palavras para desperdiçar assim quando chega alguém que não se espera e nos encanta só por ser tão bela sem querer e não há nada a fazer senão deitarmo-nos no chão e adormecer sem querer acordar, com medo de nos perdermos ou de deixar de sonhar ou de acreditar."
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
like a rolling stone I
Estamos a falar de Bob Dylan, em 1966, no Royal Albert Hall, a rebentar tudo depois do público o acusar de "Judas !"
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Welcome Back
Hot Clube de Portugal
Estás de volta.
E ainda bem, pá. Que eras o mais antigo clube de jazz da Europa e não merecias morrer assim. Fechado numa cortina de fumo, e entaipado para sempre numa escuridão vazia e feita de silêncio.
Tu que, naquela cave que não era tua, era nossa, trouxeste o Jazz a uma Praça que tem um nome lindo. Quase adivinho se não foste tu quem lhe deu o nome, à Praça da Alegria.
Um ano depois de alguma alma penada ter deixado que te incinerasses, vais com a chave para outro número, ali ao lado. Fizeram bem. Desta vez os que governam fizeram bem.
E lá te irei encontrar assim comeces a deitar cá para fora as notas soltas que parecem dissonantes e tudo o que quiseres que os nossos ouvidos conheçam.
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
10 anos
Passaram 10 anos. De processos.
Tinha falado em fazer o estágio com o meu tio. Acabou por não ser. Talvez lançar-me sem a ajudinha da família. E tinham-me chamado de outros lados. Setembro depois do último inter-rail.
Lembro-me de ir às entrevistas. Primeiro uma. Depois outra. Pontual, claro. Protestar com uma secretária porque me estavam a deixar à espera e tinha outras coisas para fazer.
Perguntarem-me porque é que não ia para dentista, que lá é que se fazia dinheiro a sério. Que eles é que tinham porsches estacionados à porta do consultório. Que não. Queria advogar. Queria a responsabilidade. Toda, se possível. Para poder mudar. Resolver. Lutar contra quem se metia com os outros. Que era como se fosse comigo. Que me pelava poder dar a volta a uma questão. "Enganar o Juiz, não é ?" Isso.
Entrei. No primeiro dia, um uísque no Saraiva's.
Não sabia nada disto. Até começar a mexer.
Também da vida. Da vida a sério. Dos problemas. A sério. E fui para a Barra. Argumentar. De Norte a Sul. Para o jogo que é mais que um jogo. Mexendo. Sem medo dos mais velhos. Para o meio das centenas de papéis. Para o mundo torto e desbalançado. A olhar de frente juízes e procuradores, "que sou beirão!". Convencer que tinha razão. "Falas bem.", "Tens jeito.", ouvi. "É da toga. Já vem ensinada.", respondia.
E a cada caso novo, uma renovada vontade de ganhar. Não ganhar por ganhar. Não ganhar para fazer tocar o sino que tinha instalado na dobra de uma esquina do escritório para isso mesmo. Ganhar para ficar de bem comigo. Para poder dormir descansado. "Hoje fiz bem." Para saber que tinha contribuído com um verso, como dizia o meu padrinho Walt Whitman.
Perder. Nesses dias, que não eram só os dias em que recebia a notícia, tudo custava o dobro. Mas pegava outra vez na caneta e recurso para cima, "que a gente só recua para tomar balanço". Alguma vezes sem fé nenhuma, achando mesmo que era impossível, porque na minha cabeça não a tinha.
Mas, surpresa. Os tribunais de cima mudavam a decisão de baixo. Como ? Como, se não tinha direito ? Como, se não tinha razão ?
Porque este mundo é torto e desbalançado. Porque tinha enganado os Desembargadores. Ou se calhar, não. Talvez tivesse mesmo razão e achasse que não.
Ou então tudo estava na convicção. "Eu não quero que me diga a verdade. Só quero que me conte uma história em que acredite." dizia o meu Avô quando era Advogado em Celorico de Basto. O Avô de quem herdei uma caneta, os livros e a primeira toga. Convicção, é isso. Não há verdade neste mundo. A verdade é para Deus.
Hoje, parece que não passou mais do que um ano. Sei mais um bocadinho. Continuo a querer a responsabilidade. A aprender tudo o que posso. A beber tudo o que aguento. Ganhar dura pouco, umas horas no máximo. Perder... mais um cabelo branco.
E embora não possa deixar um edifício levantado, ou um quadro pintado, e tudo o que diga não faça sequer eco nas paredes, e tudo o que escreva se encha de pó no arquivo, afio a caneta. Olho para a toga, e escrevo.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
domingo, 19 de dezembro de 2010
um pontapé na Holly-fucking-wood
Genial. É o que é.
Um trabalho genial. Representação de si próprio. Representar o que foi, mas não é. A ficção da realidade. A realidade da ficção. É o trabalho deste filme. Dá trabalho. Baralha. Obriga o cérebro a saltar constantemente no balanço desta dualidade.
Dois anos nisto. Enganar o mundo. Intrujar a sociedade burlesca de hollywood. Provocar sujando o nome. Phoenix. É preciso tomates.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Há títulos que não se deviam fazer
"Real Madrid: Ronaldo superou Di Stefano."
Há mitos que não podem cair.
E não caem.
Porque, apesar de super-atleta, ao CR7 falta a classe no comportamento (de um Leo Messi) e a graciosidade bailada no jogo (de el Pibe Maradona). Tudo o que separa os mitos dos meros quebra-recordes. Uma coisa é filet mignon. Outra coisa é carne de cavalo. De um cavalo de corrida.
Di Stefano é um cavalheiro do futebol. Como já não se fazem. Como Bobby Charlton ou o Sr. Mário Coluna. Como José Torres. CR7 é um cavalo de corrida. Tem duas letras e um número.
Mas eu acredito no Homem. E o CR7 ainda pode aprender qualquer coisa.
Se eu jogasse no Real Madrid convidava Di Stefano para jantar. Uma vez por semana. E levava os putos atrás.
Há mitos que não podem cair.
E não caem.
Porque, apesar de super-atleta, ao CR7 falta a classe no comportamento (de um Leo Messi) e a graciosidade bailada no jogo (de el Pibe Maradona). Tudo o que separa os mitos dos meros quebra-recordes. Uma coisa é filet mignon. Outra coisa é carne de cavalo. De um cavalo de corrida.
Di Stefano é um cavalheiro do futebol. Como já não se fazem. Como Bobby Charlton ou o Sr. Mário Coluna. Como José Torres. CR7 é um cavalo de corrida. Tem duas letras e um número.
Mas eu acredito no Homem. E o CR7 ainda pode aprender qualquer coisa.
Se eu jogasse no Real Madrid convidava Di Stefano para jantar. Uma vez por semana. E levava os putos atrás.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Sybille
[O Tenente Tenton encontra-se só, em frente de uma tenda...]
- Como vai, Tenente ?
- Ah ! É você, Sybille ?
- Está preocupado ?
- Sim... Talvez sim ! Eu queria dizer-lhe uma coisa, Sybille... Terrivelmente difícil...
- Diga, Tenente !... Eu sou sua amiga...
- Sybille... Eu... Eu... Eu amo-a...
- Mas, eu...
- Como poderei explicar-lhe ?... Quer ser minha mulher ?
- Tenente, sinto-me muito honrada com a sua proposta, mas não posso aceitar... Compreende-me, não compreende ? Eu não devia ter insistido para que falasse... Boa noite !
- Não, Sybille... A culpa é minha !
NB: Sybille afasta-se. Depois volta, corre e abraça longamente o Tenente Tenton. Cai-lhe uma lágrima. Vai-se embora.
[Assim termina esta aventura, um pouco tristemente, talvez...]
domingo, 12 de dezembro de 2010
Papillon
(Steve McQueen by William Claxton)
"Papillon alcançou a liberdade. Viveu os restantes anos da sua vida como um homem livre. O infame sistema penal na Guiana Francesa não resistiu tanto como ele."
"Famous Blue Raincoat"
It's four in the morning, the end of December
I'm writing you now just to see if you're better
New York is cold, but I like where I'm living
There's music on Clinton Street all through the evening.
I hear that you're building your little house deep in the desert
You're living for nothing now, I hope you're keeping some kind of record.
Yes, and Jane came by with a lock of your hair
She said that you gave it to her
That night that you planned to go clear
Did you ever go clear?
Ah, the last time we saw you you looked so much older
Your famous blue raincoat was torn at the shoulder
You'd been to the station to meet every train
And you came home without Lili Marlene
(...)
And what can I tell you my brother, my killer
What can I possibly say?
I guess that I miss you, I guess I forgive you
I'm glad you stood in my way.
If you ever come by here, for Jane or for me
Your enemy is sleeping, and his woman is free.
Yes, and thanks, for the trouble you took from her eyes
I thought it was there for good so I never tried.
And Jane came by with a lock of your hair
She said that you gave it to her
That night that you planned to go clear
Sincerely, L. Cohen
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L. Cohen,
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Poetry in motion
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Diálogos Perfeitos
Naomi Watts e Sean Penn estão de regresso em "Jogo Limpo", o novo filme em que contracenam.
Ao vê-los de novo juntos em cartaz, é irresistível lembrar-me de uma cena. Uma cena de um dos melhores filmes de 2003.
O argumento é de Guillermo Arriaga, realizador também de "Babel" e "Amores Perros".
O filme era "21 Gramas".
CRISTINA: A Katie podia ter sobrevivido. A Katie podia estar viva se aquele sacana não a tivesse deixado ali. Ele abandonou-os aos três como se fossem animais. Não se importou. Ela podia estar aqui comigo. Aquele filho da puta anda aí na rua e eu nem sequer posso ir ao quarto dela. Eu quero matá-lo. Eu vou matar o Jack Jordan. Vou matar esse filho da puta!
PAUL: Tem calma.
CRISTINA: Tem calma?! Mataram o meu marido e as minhas filhas e é suposto eu ter calma?! Eu não consigo continuar como se nada fosse! Estou aqui paralisada! Sou a merda duma amputada! Não consegues ver isso? Quem és tu? Tens uma dívida para com o Michael. Tens o coração dele. Estás na casa dele a foder-lhe a mulher. E estás sentado na cadeira dele! Nós temos de o matar!
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
8/12/1980 - III
John Lennon morreu.
Como sempre acontece a alguém com destaque a quem é roubada a vida, têm surgido uma data de artigos em jornais e revistas que perguntam como teria sido o mundo com Lennon dentro dele nestes últimos 30 anos. Alguns até ficcionam entrevistas imaginárias a um Lennon de 70 anos. Chamam-lhe exercício académico controlado ou história virtual. Entretêm-se nesse exercício especulativo ridículo que conduz a lado nenhum.
Lennon morreu. Com cinco tiros à queima-roupa. Mas deixou música. E uma vocação contestatária. Fez os Beatles. E essa é uma grande obra. Ajudou à revolução. Revolveu o vinil e deu-lhe umas tripas novas. Enamorou-se e depois acabou com eles.
Levantou o punho e pegou na música - que nunca mais foi a mesma sem McCartney, apesar do "Imagine" - para protestar. No sítio certo. Talvez num dos mais difíceis. Com a CIA em cima. Nos Estados Unidos. Mas no único possível. Em Nova Iorque. Onde, a poucas horas de ser executado por um fanático que lhe tinha pedido um autógrafo de manhã, foi retratado. Pela última vez na vida. Por Annie Leibovitz.
Uma ou duas semanas a seguir, Lennon estava outra vez escancarado nos escaparates das papelarias. A protestar amor ou lá o que era. E quem quisesse que percebesse.
sábado, 4 de dezembro de 2010
Blow-Up
Londres. Anos 60. Um fotógrafo. Mulheres a rodos. Que chegam e saem. De festas e paixões. Modelos. Entram e saem. Despem-se. São fotografadas. Umas ficam. Despidas. Depois vestem-se. A vibrante cena da swinging London nos sixties.
Um parque. Uma mulher lindíssima. O fotógrafo. Revelar uma fotografia que afinal revela um crime. E de como afinal se pode olhar para tudo sem nada se ver. Mas depois vê-se.
Rock num beat-club. Os Yardbirds com Jeff Beck a partir uma guitarra, Jimmy Page a sacar acordes e a voz do asmático Keith Relf a cantar "Stroll On". Trips alucinadas numa mansão vitoriana e a banda-sonora do jovem Herbie Hancock a marcar o ritmo psicadélico do technicolour dream. Blow-Up, que às vezes vem mesmo a calhar.
Camarate
Não tinha idade para pensar nestas coisas quando o Cessna em que seguia Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa se despenhou pouco depois de ter descolado.
Mas serem constituídas várias Comissões parlamentares de inquérito, ser aberto um processo judicial e tudo ser remetido para o pó do Arquivo, tudo terminar inconclusivo, sem o descanso e a dignidade merecida que só a certeza definitiva - de acidente ou atentado - podia trazer, é demasiado grave para que não se investigue mais o assunto, mesmo dentro da nossa endémica cultura de ausência de responsáveis.
makes cowards out of men."
- Ella Wheeler Wilcox
(in JFK, de Oliver Stone)
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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Na Apanha
(se não sabem já do que vou falar a seguir
é porque nunca fizeram uma)
Não fazemos isto porque seja giro ou por desporto. Não nos matamos ao fim-de-semana, com a sova que elas nos dão, para ganhar músculo ou para pagar o gasto que aquela quinta nos custa. Não nos esgatanhamos todos nos três fins-de-semana que ela dura quando trepamos às 300 oliveiras para ripar os últimos ramos por alguma espécie de karma ou se trate de cumprir uma promessa. Não é por isso que aceitamos ficar com dores nas costas durante sete dias (ou mais) que nos lembram todas as vezes que mil vezes nos dobrámos para recolher o panal, para estender o panal, para recolher o panal, para estender o panal, e apanha lá mais essa azeitona que está no caminho e não pode ficar fora da tulha.
Apanhamos a azeitona do Monte de Santiago porque é preciso. É simples.
Porque ninguém o faz por nós e não dá para aliviar as oliveiras de outra maneira. Porque é a única coisa que as nossas oliveiras nos dão e não a queremos ver no chão. Sem outra ajuda que as nossas mãos, as varas que se partem pelo caminho e as castanhas que a mãe assa no forno para distrair a fome durante o dia. Família no magusto.
E, por isso, todos os anos lá vamos. Há 16 que - a brincar a brincar - é metade da vida que tenho. Bolas !, que pensar nisto assim é dose dupla.
E todos ajudam. As miúdas com os tractores de brincar e o puto vão metendo uma azeitona ou outra para dentro do balde, misturando-as com as pedrinhas que também apanham. E até a mana que está grávida. Mas o cachorro (que já esteve em Lisboa) atrapalha quando se deita em cima do panal e quer brincar; o Socks para uns e Rafa para outros quando querem lembrar o velho cão da quinta.
Os homens varejam. O pai agora com uma vara mecânica com uma espécie de dedos na ponta e que empesta tudo a gasolina e dá cabo do silêncio e (quase) da conversa, mas despacha mais o serviço.
As mulheres vão ao rabisco e, as mais afoitas, também sobem às árvores. Depois de lhes malhar forte e feio, de quase ficarem podadas para o resto do ano, trepamos lá para cima onde desaparecemos no meio dos ramos de folhagem cerrada e ripamos o resto que não quis cair à primeira.
- Pai, se me dás com a vara, desço e temos uma conversa !
Às vezes, quando se cala o ripador mecânico, consegue-se ouvir o Charles Aznavour que pus na aparelhagem. Liguei as colunas e meti-as cá fora.
Este ano as árvores estão carregadas e a azeitona está boa, uma preta outra ainda verde, mas cheia. De água e óleo que é coisa que não gostam no lagar de Montemor. Pesa mais e têm que pagar mais. Uma Cooperativa que nunca paga muito porque nos come a maior parte e só paga nove cêntimos o kilo. Depois exportam o azeite para os Estados Unidos ou para a Europa com uns rótulos bonitos e cobram as garrafas a peso de ouro. Chulice do camandro. E depois ainda falam do comunismo...
Mas é isto que fazemos. Quando chega Novembro e com os olhos na serra do Monfurado. Até ficar noite e já não se ver mais nada. E depois, debaixo do holofote, ainda ensacar 800 ou mais kilos que este ano não deu para chegar à tonelada e meia. Para ter uns garrafões de azeite durante o ano que os pais vão distribuindo conforme se vai precisando.
(do primeiro rótulo de Azeite do Monte de Santiago)
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