Do Bisavô. Presidente da Câmara de Viana do Castelo e deputado pelo Partido Republicano à Constituinte. Mas acima de tudo, Professor do Liceu, em Viana e no Porto. O Bisavô das letras. Que adorava ensinar, que um professor ensina sempre e para sempre. Mesmo depois do seu passamento.
Lá em casa era neste cofre que buscávamos o segredo e, sobretudo, a origem de todas as palavras. A ciência toda que o mistério das palavras carrega. Tudo o que a vida e a arte lhes esculpiram. Nas letras fiéis do Bisavô que lhe tinham brotado da pena, do estudo e de um trabalho meticuloso e insano. Que vinham, afinal, do amor profundo às palavras.
Mas um documento tão raro, que na família só havia quatro, distribuídos pelo filho e pelos filhos do filho. E eu, embora filho, já era neto.
Quis a sorte - porque não há destino - que o descobrisse num alfarrabista. Do Porto (como é evidente). Em óptimo estado. Perfeito. Feito para mim. Não foi sorte. Foi vontade. Arqueologia.
Depois, o encontro. Em Sintra. Tipo clandestino. Vários contactos. O alfarrabista que vem ao Sul. E mo passa com zelo para as mãos, numa mesa do "Piriquita", em jeito de travesseiro. Uma hora em que se conversa sobre o significado que estas infinitas palavras têm para a família. Ali fui eu o Dicionário. Fui eu que transmiti o significado. Depois, paguei o preço, que foi nada, só de pensar em meter as mãos na Obra. A seguir, mostrá-lo bem à pequena que foi com o pai assistir à transacção. Para viver a história. E um dia também poder contar.
Uma relíquia que os pais quiseram-me legar. Com uma dedicatória que há-de acompanhar o resto da minha vida e viver para além de mim.
Onde agora posso voltar a procurar todas as palavras. E ensinar a procurar o segredo que elas revelam. E o velho professor continuará a ensinar. E nós a aprender.
O Bisavô. Sobre quem o filho escreveu um maravilhoso posfácio.
«Labor Omnia Vincit
(...)
Por fim realizou esta magnífica e gigantesca Obra, o presente Dicionário da Língua Portuguesa.
Não é a mim que me compete apreciá-lo por falta de recursos apropriados. Mas pude avaliar bem o esforço ingente por ele empregado, na sua execução. Quantas preocupações, quantas arrelias, quantas insónias por amor da sua Obra !
Por motivos inevitáveis, cuja explanação não é oportuno abordar, morreu sem a ver publicada. Foi esta, sem dúvida, a sua maior dor, na hora da morte.
Vou terminar, fazendo a declaração expressa que a modéstia destas toscas palavras não são mais que a homenagem simples dum filho que sempre adorou, admirou e venerou seu Pai. Elas são apenas um ramo de pobres flores que deponho na sua campa. É assim, e só assim, que devem interpretar-se.»
Obrigado pelo tesouro de receber esta sagrada herança.
Rodrigo Fontinha