quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O pirata das Caraíbas




«É uma rotina que te ocupa o tempo todo. Acordava de manhã e a primeira coisa que fazia era dar um chuto na casa de banho. Lavar os dentes ? Esquece. "Foda-se, tenho de ir à cozinha buscar a colher." Rituais estúpidos. "Merda, porque é que ontem à noite não me lembrei de trazer a colher da cozinha ? Lá tenho eu de descer outra vez as escadas." Cada dia se tornava mais difícil largar a droga, ou maior era o desejo de voltar a ela, se o conseguisses fazer. "Só mais uma vez, agora que já estou limpo." É essa vez, em jeito de festejo, que é fatal. Para piorar, tu até podes estar limpo, mas todos os teus amigos são agarrados. Quem se cura sai do círculo. Podem adorar-te ou detestar-te, não importa: a primeira coisa que vão fazer é querer trazer-te de volta. "Tenho aqui uma merda mesmo boa." Se alguém fica limpo e limpo se aguenta, passa a ser visto pela irmandade dos agarrados como um falhado. Falhado em quê, não faço ideia. Quantas crises de privação serás tu capaz de aguentar ? É ridículo, mas quando estás viciado nem te pões essa pergunta. Várias vezes, durante uma ressaca, me convenci de que por detrás da parede havia um cofre cheio de droga, já com colher e tudo o que era preciso. Depois adormecia. Quando acordava, dava com a parede arranhada e cheia de sangue - tinha mesmo tentado chegar ao cofre. Valerá a pena passar por uma coisa destas ? Na altura, decidi que sim.
Por natureza, posso ser tão presunçoso e frívolo como o Mick, mas quando és agarrado isso está fora de questão. Não o podes ser, mesmo que queiras. Há forças em jogo que te mantêm os pés assentes, já nem digo na terra: na sarjeta. Muito mais baixo do que seria preciso. É óbvio que nesse período eu e o Mick seguimos caminhos absolutamente opostos. Ele não tinha paciência para mim, para a minha suposta estupidez. Lembro-me de estar numa discoteca à espera de um dealer, num estado lastimável. À minha volta, as pessoas dançavam como bolinhas cintilantes, e eu debaixo dos bancos, a esconder-me para que não me vissem vomitar, e o cabrão do gajo nunca mais chegava. Quando ao mesmo tempo, me perguntava: "Será que ele, aqui, me vai encontrar ? Ou será que chega, não me vê e baza?" Digamos que me encontrava num estado de grande perturbação mental. Felizmente, deu comigo. Um guitarrista mundialmente famoso a sujeitar-se àquilo - percebias a que ponto tinhas descido. Descer a um ponto destes faz-te sentir nojo de ti mesmo, um sentimento que demora algum tempo a desaparecer. "Meu grande filho-da-puta, és capaz de fazer qualquer coisa por uma dose, não és ?" Ainda assim, continuava a julgar-me senhor de mim mesmo. Ai de quem me dissesse o que devia fazer. Mas chegar ao ponto em que estás totalmente dependente de um dealer é uma coisa nojenta. À espera de um filho-da-mãe daqueles, e pronto a suplicar-lhe ? É aí que entra o nojo de si mesmo. De todos os pontos de vista e mais algum, um agarrado é um tipo à espera do dealer. Todo o teu mundo se reduz à droga.
Quase todos os agarrados se tornam imbecis. Foi isso que realmente me fez abrir os olhos. Só tínhamos uma coisa na cabeça: a droga. Não seria eu um pouco mais inteligente do que isso ? O que é que eu ando a fazer na companhia destes desgraçados ? São simplesmente pessoas chatíssimas. Pior: muitas delas até são brilhantes, e sabemos que, no fundo, nos deixámos enganar, mas também... porque não ? Toda a gente se deixa enganar por alguma coisa; nós ao menos sabemos que nos enganamos a nós próprios. Ninguém é um herói só por se drogar; podes ser um herói é se conseguires deixar a droga. Por mais que eu adorasse aquela merda, tinha chegado o momento de dizer basta. Além disso, o cavalo estreita-te os horizontes e a uma certa altura só conheces agarrados. Eu precisava de horizontes mais largos. Claro que, tudo isto, só o percebes depois de sair do inferno. Tem esse poder, a droga. É a puta mais sedutora do mundo.»

Keith Richards, 'Life', ed. Cavalo de Ferro

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

"It's only Rock 'n' Roll"

  
É por estas e por outras que eu acho que a minha grande vocação (frustrada, obviamente) era ter sido um guitarrista de uma banda de rock, adorado por milhares de almas e oferecendo-lhes o melhor de mim. Até fui ver de um estúdio, mas não tinha tipos à altura com excepção de um gajo que lhe dava na bateria, e depois - culpa minha - também não procurei mais.
King Keef Richards.

«Ali estás tu muito bem a tocar com uns tipos, quando te sai um Oh, yeah! Essa sensação vale por tudo. Por um instante, sentes que deixaste o planeta, que ninguém te pode tocar. Estás noutra esfera, com gajos que partilham exactamente o mesmo objectivo. Quando isso acontece, meu amigo, ganhas asas. Depois voltas, mas sabes que estiveste num sítio onde a maioria das pessoas nunca há-de pôr o pé, um sítio único. Só queres voltar a descolar, voltar a aterrar; mas quando aterras, tens a bófia à coca. Andaste a voar sem autorização.
(...)
A oportunidade surgiu, e quem é que seria capaz de as deter? Encharcadas de desejo sexual, apesar de não saberem muito bem o que fazer com ele. Como toiros enraivecidos, e nós o pano vermelho! Foi o delírio. Uma força incrível. Nadar num rio cheio de piranhas era mais seguro. Ganhavam balanço a mais e perdiam o controlo. Miúdas que se vinham, que sangravam, que rasgavam as roupas, se mijavam nas cuecas. Era o pão nosso de cada dia. O concerto era isso. Pouca diferença fazia, quem estivesse a tocar. Estavam-se bem marimbando para o facto de eu querer ser um músico de blues.»

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O "realismo sórdido" de Jafar Panahi


"Taxi" é um quase-documentário que nasce sob o signo do humor étnico e cultural, mas que vai ganhando um corpo político e moral até à cena final (devastadora) quando nos deixa sem genérico, que afinal tudo explica.
Com "Taxi", Jafar Panahi venceu o Urso de Ouro do festival de cinema de Berlim. A sua sobrinha, Hana Saeidi, que deslumbra no filme, recebeu o prémio em seu lugar.
Panahi esteve preso e está impedido de sair da República Islâmica do Irão, onde foi proibido de fazer filmes por 20 anos.
Acontece que a liberdade está mesmo dentro de nós.

"Nothing can prevent me from making films since when being pushed to the ultimate corners I connect with my inner-self and, in such private spaces, despite all limitations, the necessity to create becomes even more of an urge." 


quinta-feira, 13 de agosto de 2015

New Musical Express

A NME - revista histórica de música, com mais de 60 anos de existência - virou a página. A partir de agora passa a gratuita, o que, à primeira vista, até era  fixe. Problema: duvido que chegue cá.
Mas pelo menos pode dizer-se que sai em beleza.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

'Che', de Spain Rodriguez


(em Cádiz, Livraria "Manuel de Falla")


«Dispara, Cobarde, sólo vas a matar a un Hombre !»

domingo, 2 de agosto de 2015