quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Ashes to Ashes




Quando o Chiado ardeu, tive medo, claro que tive medo. 
Da sala dos avós na Defensores de Chaves onde seguia o directo naquele fim de férias, parecia que podia queimar a cidade toda e chegar a nossa casa. Aos 10 anos é difícil não temermos o absoluto e acharmos que tudo é assim.
A notícia era que o incêndio tinha começado no Grandella, e aí comecei a perceber que ia perder o enorme armazém, de uma cidade sem centros comerciais, que tinha o primeiro andar só para brinquedos. Um andar revestido de paredes inteiras de brinquedos todos empilhados de cima a baixo. Na altura, a boca escancarava de espanto e maravilha quando vinha o Natal. Achei que ia ficar para sempre sem isso.
Também já se sabia que a loja da Valentim de Carvalho, onde às vezes acompanhava o Avô, ia à vida (depois mudou-se para a grande loja do Rossio, depois acabou).
Lembro-me das acusações ao Abecassis, das enormes divisórias de pedra encrustadas ao longo da Rua Garrett e que, enfiadas no meio, pareciam feitas para rejeitar a entrada dos bombeiros com os carros. Apagar, portanto, só à mangueirada, em cima dos telhados e em mangas de camisa. E ninguém a sossegar ou a contar o suor que escorria no pavor do rosto dos heróis que deviam salvar. Aos 10 anos achei que a cidade podia ir-se toda. 
Lembro-me depois de chamarem o Siza Vieira, espécie de Messias salvador e de todos acreditarmos em Deus-Sol. Siza profeta da reconstrução e da nossa paixão. 
Também não esquece nunca terem descoberto os responsáveis. De o Chiado ter ficado na penumbra da cidade, cinzento e frio, soterrado nas cinzas durante oito ou dez anos, e de nos ter feito falta.
Em Portugal, até parece milagre !, mas ressuscitou e foi devolvido. E agora está belo e é de todos outra vez.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

"Não me esqueço de António Borges", por Pedro Tadeu


«Uma coisa é noticiar a importância de uma personalidade na sociedade portuguesa, relatar a sua influência, documentar aquilo que dizem sobre ela pessoas relevantes, contextualizar e analisar o significado da sua atividade. Outra coisa é ter opinião sobre ela. Ao noticiarmos a vida de António Borges não podemos deixar de realçar os méritos técnicos e profissionais que só uma inteligência invulgar, aplicada ao longo de muitos anos de trabalho, consegue alcançar. Um currículo que soma lugares como os de reitor do INSEAD de Paris, vice-governador do Banco de Portugal, diretor do FMI, vice- presidente da Goldman Sachs, administração em bancos e grandes empresas, não dá margem para dúvidas sobre os méritos da pessoa. Um obituário jornalístico rigoroso tem de realçar esse aspeto. Também o rigor jornalístico impõe noticiar a frontalidade com que António Borges tomou posições polémicas, mesmo sabendo o preço que pagaria por isso na carreira política. Este contraste com a normalidade do comportamento dos seus pares teria, igualmente, de ser assinalado. Se eu tivesse de fazer a infeliz notícia da morte do economista, teria de focar-me nessas evidências. 
Ao dar, no entanto, uma opinião sobre António Borges tenho de focar-me noutro aspeto: naquilo que acredito, talvez erradamente mas com convicção, ter sido uma influência negativa para a sociedade decorrente da passagem deste homem notável pela política e por lugares cimeiros da economia mundial. 
Não me esqueço quando António Borges disse que "a diminuição de salários não é uma política, é uma urgência". Não me esqueço quando defendeu que os trabalhadores deveriam pagar mais taxa social única e os patrões menos. Não me esqueço quando advogou a destruição da RTP. Não me esqueço que instituições como a Goldman Sachs e o FMI foram responsáveis, no tempo em que ele lá esteve, pela distorção de equilíbrios na economia mundial que nos levaram a uma crise gigantesca empobrecedora de milhões de pessoas. Não me esqueço que aquelas instituições onde ele pontificou foram cúmplices (e até autoras) de autênticos crimes económicos que, tirando um ou outro bode expiatório mais desprotegido, ninguém pagou, a não ser as suas vítimas, diretas ou indiretas. 
António Borges seria pessoalmente admirável mas a sua visão do mundo, para mim, era detestável. Para um homem que sempre odiou a hipocrisia, penso que o que escrevo é o verdadeiro sinal de respeito que, sem dúvida, lhe é devido.» 

no DN, 27.08.13

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Mensagem

Em Dezembro de 1968, Vinicius de Moraes, a caminho de Roma para passar o Natal, encontrou-se em Lisboa com Amália para uma noite de poesia e canto. Também estavam Ary dos Santos, Natália Correia, David Mourão Ferreira e Alain Oulman. Esse encontro ficou gravado e foi editado em disco.
No final deste serão em casa de Amália, foi-lhe pedido que deixasse uma mensagem sobre a sua passagem por Portugal.


"Bom, me pedem para dizer as impressões que eu levo de Portugal. 
As impressões são as mais carinhosas possíveis. Um povo do qual eu descendo e no qual tenho as minhas raízes mergulhadas e que eu queria conhecer um dia. Porque eu sou um homem meio sem pátria. Não tenho pátria. Minha pátria é a Humanidade, mas de toda a maneira eu queria conhecer o povo português, queria entrar em contacto com ele. Um povo com um tremendo anseio de viver, e de aparecer e de reaparecer na História, né ?, esse povo heróico, que deu tantas coisas lindas, né ?, um povo que deu um poeta como Luiz de Camões, todo o cancioneiro português antigo que eu conheço tão bem e no qual eu embebi, do qual eu sofri uma grande influência.
Então, a impressão que eu levo deste povo, do meu contacto com... com ele e com os intelectuais, com os poetas, com as pessoas, é uma impressão assim de... ao mesmo tempo de beleza e de tristeza, né ?... engraçado !
Porque o contacto foi o mais amoroso possível - e esse é o único contacto que me interessa - mas ao mesmo tempo uma impressão de tristeza, de ver este povo tão formalizado ainda, né ?
Eu tenho a impressão de que o povo português precisava de se desengravatar, né ? perder assim... uma série de formalismos que ele conserva, né ?, de maneira que o que eu posso dizer ao povo português neste momento, a meus amigos portugueses que me trataram com tanto carinho, que tiveram tanta atenção comigo - inclusive uma atenção de que eu não me acho merecedor, porque eu acho que ainda também não descobri o meu caminho - é esta: despir-se do seu formalismo !
Esse é o grande problema do povo português, para mim, do que eu pude verificar aqui. Integrar-se na Grande Vida, né ? num negócio que eu também não sei como explicar, mas que eu acho que é fundamental para o ser humano. Comunicar-se cada vez mais. Amar-se, amar-se, sem problemas, sofrendo muito (o sofrimento faz parte do jogo, não tem importância).
Nós somos praticamente 100 milhões de seres humanos falando uma língua comum e a nossa poesia é comum de uma certa maneira. Nós temos os mesmos problemas, a mesma tristeza de conhecer o nosso semelhante de uma maneira que outros povos não conhecem, temos assim a... mesma doçura para viver, uma certa necessidade de se comunicar que outros povos não têm. Nós somos os últimos povos que amam e que cantam, né ? e que escrevem uma poesia direita, que tenta dizer qualquer coisa. 
A minha única mensagem que eu deixo aqui a vocês, hoje, na casa de minha querida amiga Amália Rodrigues - essa tremenda cantora, né ? que eu amo, cuja voz eu amo e que realmente transmite, para mim transmite assim o que seria, digamos assim, um Portugal verdadeiro - a única coisa que eu queria dizer a vocês é o seguinte: ROMPAM AS CADEIAS ! VIVAM ! AMEM ! AMEM-SE ! ROMPAM AS TRADIÇÕES ! ROMPAM OS PRECONCEITOS ! e aí eu tenho a impressão que cada um vai ser... pode, pode se tornar mais feliz, porque eu acho que o grande problema do ser humano é a felicidade. Cada um deve procurar a sua felicidade e ao procurar a sua felicidade procura, normalmente, a felicidade do seu semelhante, né ?
Não sei se eu disse muita bobagem, hem ?, mas eu disse isso aqui que disse para vocês com o maior espírito de verdade, de amizade e de compreensão.

... e agora eu quero ir para minha casa."

(em 'Amália / Vinicius', 1970, Edições Valentim de Carvalho SA) 

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Rentrée III



"Uma Família Respeitável", de Masoud Bakhshi. Às seis e trinta, no Nimas, uma das últimas salas de Cinema de Lisboa. 

O Irão. Para quando o Irão ?

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

sábado, 10 de agosto de 2013

Urbano Tavares Rodrigues (1923 - 2013)


"Só me custa morrer por causa do meu filho."

Urbano Tavares Rodrigues tinha 89 anos e um filho de 6.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Veneno, não. Droga !



... e agora já estou a ressacar.

domingo, 4 de agosto de 2013

Sinal Fechado

- Olá! Como vai?
- Eu vou indo. E você, tudo bem?
- Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E
você?
- Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo!
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
- Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é… Quanto tempo!
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das
ruas...
- Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
- Por favor, telefone! Eu preciso beber alguma coisa,
rapidamente…
- Pra semana…
- O sinal…
- Eu procuro você…
- Vai abrir, vai abrir…
- Eu prometo, não esqueço, não esqueço…
- Por favor, não esqueça, não esqueça…
- Adeus!
- Adeus!
- Adeus!