Diz-se que foi Voltaire quem um dia declarou: "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito a dizê-lo.”
Voltaire viveu no século XVIII.
Por isso, é pena, para não dizer patético, que três séculos mais tarde se tomem decisões como esta:
«Versão censurada de 'Fairytale of New York' na BBC»
Parece espantoso, parece que caranguejamos para trás.
A discussão não é de agora, mas, aparentemente, a BBC receia o uso de determinadas expressões numa das canções de natal mais bonitas que já foram cantadas, e então substituiu "as palavras em calão de rua interpretadas pela convidada Kirtsty MacColl "You scumbag, you maggot/You cheap, lousy f*ggot", por outras, tidas como mais leves, como "you're cheap and you're haggard", em que a palavra "sl*t" é silenciada."
A BBC justificou a decisão "para não ferir audiências mais jovens em assuntos como género e sexualidade".
Faz-me impressão este tipo de coisas. Tratar os "jovens" (e não jovens já agora) como se fossem crianças. Menorizá-los ao ponto de acharem que não têm a capacidade de entender linguagem (e liberdade) poética e de compreender o diálogo, na canção, daquele marido e daquela mulher (dois emigrantes irlandeses em Nova Iorque, gente humilde e a quem a vida trocou as voltas, e que, sim !, se mimam com vários nomes e palavrões ritmados, e tristes, como acabamos por perceber), e de enquadrá-lo no espírito da época, que não é esta em que vivemos (a canção é de '87). E como se fosse proibido o uso de palavrões. Como se estes não tivessem direito à vida e não fossem a emoção das palavras.
Claro que, para quem pensa assim, nem vale a pena tentar explicar a beleza que um palavrão bem empregue pode ter numa frase (como MEC já fez). Quando não é gratuito. Quando compõe um quadro. Quando retrata uma cena.
O que custa é ver a mais importante (e talvez ouvida) estação de rádio inglesa (da velha democrática Inglaterra) aderir a esta tese, de que há palavras feias e que ferem (ou podem ferir) os nossos delicados ouvidos ou as consciências inocentes e puras da juventude (que não tem "armas" para as interpretar), e que, por isso, não podem ter lugar no discurso artístico.
Dá vontade de perguntar: what's next ? Também vão querer que se cortem todos os palavrões ditos no cinema ?
* como lhes chama Mick Hume, em "O Direito a Ofender - A liberdade de expressão e o politicamente correcto".
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