sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Nunca se desce uma rua duas vezes da mesma maneira




(Podia ter comprado cedilhas e acentos.)


Pennsylvania Station. Entrar em Nova Iorque de comboio. Ouvir o chiar nos carris. As vozes apressadas das pessoas. Os jornais que enchem as prateleiras das papelarias. Pessoas a comprar tabaco. Cheirar o fumo que há no ar. Comprar o bilhete e vê-lo chiar nas minhas mãos. Por isso é que se pode amar uma negra que nos diz que de comboio chegamos mais depressa do que no fantástico Super-Shuttle que é um mini-bus sem graça, silencioso e aclimatado, e movido a gasolina.
Entrar em Nova Iorque. Sentir o balanço do comboio que trava brusco. O revisor que vem picar o bilhete, fardado como deve. Com bigode ruivo e que avisa: "Third station."
Regressamos não sei porquê. Regressamos porque sim. E está muito bem. Porque a vida não é só razões.
Penn Station. Nova Iorque é uma cidade suja. Alguém diz. E eu concordo. Cheia de cotovelos e solas desesperadas. De fumo, alcatrão e andaimes. Cheia de jazz e cheia de tudo. Para onde olho fascinado. Continua a mesma. Adoro isso.
Mas em Bleeker Street já não vive a "Biography Bookshop".
Foi comprada por um estilista de renome que se instalou no Bairro. Como não chegava a loja de roupa e as cenas maradas que montou logo ao lado, o maricas comprou a livraria. E eu entro e já não oiço a velha campainha tinir. Felizmente deixou os livros, todos lindos.
O estilista comprou a livraria e meteu uns empregados muito queridos, aprumadinhos, penteadinhos e cheios de jeitinhos a atender. São muito queridos e penteadinhos mas como só pensam no embrulho, que vem com botãozinho e um fiozinho, e tem tudo, enganam-se na conta. Não, não são 166 dólares. São 144. Mil I'm sorrys. Muito queridos e penteadinhos. E muito admirados também, e desiludidos, quando lhes digo que não quero os livros embrulhados. Só os livros, sff. Os livros não querem pacotes. Querem ler. Quem é ele para falar assim connosco ?
A "Bleeker Records" é que está igual. Por isso compro uns discos. Não muitos, porque toca um Jay-Z nojento que me empurra para fora. É muita agressão. O empregado, careca mas de cabelos em pé, concorda comigo. Rubish.
Perto de Washington Sq. a Senhora que me vende uns quadros com capas antigas da "New Yorker" lembra-se de Portugal quando falo com ela. Gosto sempre de falar com as pessoas. Que não conheço. Com toda a gente. Vem da Virginia, mas foi a Viana. Fala-me dos pastéis da saudade (de Belém) e faz-me um desconto. Tem Parkinson, mas não se engana no preço. Lembro-me dos penteadinhos da livraria a pensarem só nos embrulhos.
Meto-me com um adepto dos Yankees que vai no metro. Vai ao jogo. Detroit Tigers vs NY Yankees. Playoffs. Quero ir com o gajo. Yankee Stadium, no Bronx. Quase vou. Quase, foda-se.
Ainda não ouvi o despertador desde que cheguei. Que malvado jet-leg. Que não me deixa a mona.
Não deve querer que me demore por cá, ou então sou eu que já não tenho pachorra para mudar as horas. Ou então é alguma mudança de idade. Ou é de não querer dormir mesmo.
Só vou lá com drunfos. E vou mesmo.

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