sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Perdido e depois achado


Óbvia declaração de voto

"A palavra poética volta a ser necessária."

(pintura: Carlos Botelho)

"Boa noite", de Pedro Paixão

"Não era preciso falar. Com ela, sim, com ela que era tão bela que a sua beleza enchia a casa toda sem mais nada precisar, talvez não fosse preciso falar. Bastaria olharmo-nos o tempo que fosse preciso para nos vermos e depois ter fechado os olhos e adormecido. E podíamos ter passeado pelo paredão onde batem as ondas do mar, sim, mesmo de mão dada se assim quiséssemos. E podíamos ficar parados a olhar cada um para o seu lado e sentir que o outro estava ali ao lado, igual a ti, calado, a olhar o mar a bater na praia, sim, isso seria muito belo. E podíamos mesmo ter-nos beijado sem dizer uma única palavra porque todas estão a mais e um beijo vale mais do que todas as palavras. Sim, não devia haver palavras para desperdiçar assim quando chega alguém que não se espera e nos encanta só por ser tão bela sem querer e não há nada a fazer senão deitarmo-nos no chão e adormecer sem querer acordar, com medo de nos perdermos ou de deixar de sonhar ou de acreditar."

Maratona

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

like a rolling stone II

like a rolling stone I



Estamos a falar de Bob Dylan, em 1966, no Royal Albert Hall, a rebentar tudo depois do público o acusar de "Judas !"

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Welcome Back

Hot Clube de Portugal

Estás de volta.
E ainda bem, pá. Que eras o mais antigo clube de jazz da Europa e não merecias morrer assim. Fechado numa cortina de fumo, e entaipado para sempre numa escuridão vazia e feita de silêncio.
Tu que, naquela cave que não era tua, era nossa, trouxeste o Jazz a uma Praça que tem um nome lindo. Quase adivinho se não foste tu quem lhe deu o nome, à Praça da Alegria.
Um ano depois de alguma alma penada ter deixado que te incinerasses, vais com a chave para outro número, ali ao lado. Fizeram bem. Desta vez os que governam fizeram bem.
E lá te irei encontrar assim comeces a deitar cá para fora as notas soltas que parecem dissonantes e tudo o que quiseres que os nossos ouvidos conheçam.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

10 anos


Passaram 10 anos. De processos.
Tinha falado em fazer o estágio com o meu tio. Acabou por não ser. Talvez lançar-me sem a ajudinha da família. E tinham-me chamado de outros lados. Setembro depois do último inter-rail.
Lembro-me de ir às entrevistas. Primeiro uma. Depois outra. Pontual, claro. Protestar com uma secretária porque me estavam a deixar à espera e tinha outras coisas para fazer.
Perguntarem-me porque é que não ia para dentista, que lá é que se fazia dinheiro a sério. Que eles é que tinham porsches estacionados à porta do consultório. Que não. Queria advogar. Queria a responsabilidade. Toda, se possível. Para poder mudar. Resolver. Lutar contra quem se metia com os outros. Que era como se fosse comigo. Que me pelava poder dar a volta a uma questão. "Enganar o Juiz, não é ?" Isso.
Entrei. No primeiro dia, um uísque no Saraiva's. 
Não sabia nada disto. Até começar a mexer.
Também da vida. Da vida a sério. Dos problemas. A sério. E fui para a Barra. Argumentar. De Norte a Sul. Para o jogo que é mais que um jogo. Mexendo. Sem medo dos mais velhos. Para o meio das centenas de papéis. Para o mundo torto e desbalançado. A olhar de frente juízes e procuradores, "que sou beirão!". Convencer que tinha razão. "Falas bem.", "Tens jeito.", ouvi. "É da toga. Já vem ensinada.", respondia.
E a cada caso novo, uma renovada vontade de ganhar. Não ganhar por ganhar. Não ganhar para fazer tocar o sino que tinha instalado na dobra de uma esquina do escritório para isso mesmo. Ganhar para ficar de bem comigo. Para poder dormir descansado. "Hoje fiz bem." Para saber que tinha contribuído com um verso, como dizia o meu padrinho Walt Whitman.
Perder. Nesses dias, que não eram só os dias em que recebia a notícia, tudo custava o dobro. Mas pegava outra vez na caneta e recurso para cima, "que a gente só recua para tomar balanço". Alguma vezes sem fé nenhuma, achando mesmo que era impossível, porque na minha cabeça não a tinha.
Mas, surpresa. Os tribunais de cima mudavam a decisão de baixo. Como ? Como, se não tinha direito ? Como, se não tinha razão ?
Porque este mundo é torto e desbalançado. Porque tinha enganado os Desembargadores. Ou se calhar, não. Talvez tivesse mesmo razão e achasse que não.
Ou então tudo estava na convicção. "Eu não quero que me diga a verdade. Só quero que me conte uma história em que acredite." dizia o meu Avô quando era Advogado em Celorico de Basto. O Avô de quem herdei uma caneta, os livros e a primeira toga. Convicção, é isso. Não há verdade neste mundo. A verdade é para Deus.
Hoje, parece que não passou mais do que um ano. Sei mais um bocadinho. Continuo a querer a responsabilidade. A aprender tudo o que posso. A beber tudo o que aguento. Ganhar dura pouco, umas horas no máximo. Perder... mais um cabelo branco. 
E embora não possa deixar um edifício levantado, ou um quadro pintado, e tudo o que diga não faça sequer eco nas paredes, e tudo o que escreva se encha de pó no arquivo, afio a caneta. Olho para a toga, e escrevo.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A good woman


Ela quis convencê-lo para convencer-se também a si. Era esse o seu segredo.

domingo, 19 de dezembro de 2010

um pontapé na Holly-fucking-wood


Genial. É o que é.
Um trabalho genial. Representação de si próprio. Representar o que foi, mas não é. A ficção da realidade. A realidade da ficção. É o trabalho deste filme. Dá trabalho. Baralha. Obriga o cérebro a saltar constantemente no balanço desta dualidade.
Dois anos nisto. Enganar o mundo. Intrujar a sociedade burlesca de hollywood. Provocar sujando o nome. Phoenix. É preciso tomates.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Há títulos que não se deviam fazer

"Real Madrid: Ronaldo superou Di Stefano."

Há mitos que não podem cair.


E não caem.
Porque, apesar de super-atleta, ao CR7 falta a classe no comportamento (de um Leo Messi) e a graciosidade bailada no jogo (de el Pibe Maradona). Tudo o que separa os mitos dos meros quebra-recordes. Uma coisa é filet mignon. Outra coisa é carne de cavalo. De um cavalo de corrida.
Di Stefano é um cavalheiro do futebol. Como já não se fazem. Como Bobby Charlton ou o Sr. Mário Coluna. Como José Torres. CR7 é um cavalo de corrida. Tem duas letras e um número.
Mas eu acredito no Homem. E o CR7 ainda pode aprender qualquer coisa.
Se eu jogasse no Real Madrid convidava Di Stefano para jantar. Uma vez por semana. E levava os putos atrás.

Não sou pelas greves e até já passou...

... mas é um poster do camandro !
Um dos melhores de sempre da democracia portuguesa.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Sybille


[O Tenente Tenton encontra-se só, em frente de uma tenda...]

- Como vai, Tenente ?
- Ah ! É você, Sybille ?
- Está preocupado ?
- Sim... Talvez sim ! Eu queria dizer-lhe uma coisa, Sybille... Terrivelmente difícil...
- Diga, Tenente !... Eu sou sua amiga...
- Sybille... Eu... Eu... Eu amo-a...
- Mas, eu...
- Como poderei explicar-lhe ?... Quer ser minha mulher ?
- Tenente, sinto-me muito honrada com a sua proposta, mas não posso aceitar... Compreende-me, não compreende ? Eu não devia ter insistido para que falasse... Boa noite !
- Não, Sybille... A culpa é minha !

NB: Sybille afasta-se. Depois volta, corre e abraça longamente o Tenente Tenton. Cai-lhe uma lágrima. Vai-se embora.

[Assim termina esta aventura, um pouco tristemente, talvez...]

domingo, 12 de dezembro de 2010

Papillon

 (Steve McQueen by William Claxton)

"Papillon alcançou a liberdade. Viveu os restantes anos da sua vida como um homem livre. O infame sistema penal na Guiana Francesa não resistiu tanto como ele."

"Famous Blue Raincoat"



It's four in the morning, the end of December
I'm writing you now just to see if you're better
New York is cold, but I like where I'm living
There's music on Clinton Street all through the evening.
I hear that you're building your little house deep in the desert
You're living for nothing now, I hope you're keeping some kind of record.


Yes, and Jane came by with a lock of your hair
She said that you gave it to her
That night that you planned to go clear
Did you ever go clear?


Ah, the last time we saw you you looked so much older
Your famous blue raincoat was torn at the shoulder
You'd been to the station to meet every train
And you came home without Lili Marlene


(...)


And what can I tell you my brother, my killer
What can I possibly say?
I guess that I miss you, I guess I forgive you
I'm glad you stood in my way.


If you ever come by here, for Jane or for me
Your enemy is sleeping, and his woman is free.
Yes, and thanks, for the trouble you took from her eyes
I thought it was there for good so I never tried.
And Jane came by with a lock of your hair
She said that you gave it to her
That night that you planned to go clear

Sincerely, L. Cohen

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Diálogos Perfeitos

Naomi Watts e Sean Penn estão de regresso em "Jogo Limpo", o novo filme em que contracenam.
Ao vê-los de novo juntos em cartaz, é irresistível lembrar-me de uma cena. Uma cena de um dos melhores filmes de 2003.
O argumento é de Guillermo Arriaga, realizador também de "Babel" e "Amores Perros".
O filme era "21 Gramas".


CRISTINA: A Katie podia ter sobrevivido. A Katie podia estar viva se aquele sacana não a tivesse deixado ali. Ele abandonou-os aos três como se fossem animais. Não se importou. Ela podia estar aqui comigo. Aquele filho da puta anda aí na rua e eu nem sequer posso ir ao quarto dela. Eu quero matá-lo. Eu vou matar o Jack Jordan. Vou matar esse filho da puta!

 
PAUL: Tem calma.

 
CRISTINA: Tem calma?! Mataram o meu marido e as minhas filhas e é suposto eu ter calma?! Eu não consigo continuar como se nada fosse! Estou aqui paralisada! Sou a merda duma amputada! Não consegues ver isso? Quem és tu? Tens uma dívida para com o Michael. Tens o coração dele. Estás na casa dele a foder-lhe a mulher. E estás sentado na cadeira dele! Nós temos de o matar!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

8/12/1980 - III

John Lennon morreu.
Como sempre acontece a alguém com destaque a quem é roubada a vida, têm surgido uma data de artigos em jornais e revistas que perguntam como teria sido o mundo com Lennon dentro dele nestes últimos 30 anos. Alguns até ficcionam entrevistas imaginárias a um Lennon de 70 anos. Chamam-lhe exercício académico controlado ou história virtual. Entretêm-se nesse exercício especulativo ridículo que conduz a lado nenhum.
Lennon morreu. Com cinco tiros à queima-roupa. Mas deixou música. E uma vocação contestatária. Fez os Beatles. E essa é uma grande obra. Ajudou à revolução. Revolveu o vinil e deu-lhe umas tripas novas. Enamorou-se e depois acabou com eles.
Levantou o punho e pegou na música - que nunca mais foi a mesma sem McCartney, apesar do "Imagine" - para protestar. No sítio certo. Talvez num dos mais difíceis. Com a CIA em cima. Nos Estados Unidos. Mas no único possível. Em Nova Iorque. Onde, a poucas horas de ser executado por um fanático que lhe tinha pedido um autógrafo de manhã, foi retratado. Pela última vez na vida. Por Annie Leibovitz.
Uma ou duas semanas a seguir, Lennon estava outra vez escancarado nos escaparates das papelarias. A protestar amor ou lá o que era. E quem quisesse que percebesse.

8/12/1980 - II

8/12/1980 - I

sábado, 4 de dezembro de 2010

Blow-Up



Londres. Anos 60. Um fotógrafo. Mulheres a rodos. Que chegam e saem. De festas e paixões. Modelos. Entram e saem. Despem-se. São fotografadas. Umas ficam. Despidas. Depois vestem-se. A vibrante cena da swinging London nos sixties.

Um parque. Uma mulher lindíssima. O fotógrafo. Revelar uma fotografia que afinal revela um crime. E de como afinal se pode olhar para tudo sem nada se ver. Mas depois vê-se.
Rock num beat-club. Os Yardbirds com Jeff Beck a partir uma guitarra, Jimmy Page a sacar acordes e a voz do asmático Keith Relf a cantar "Stroll On". Trips alucinadas numa mansão vitoriana e a banda-sonora do jovem Herbie Hancock a marcar o ritmo psicadélico do technicolour dream.
Blow-Up, que às vezes vem mesmo a calhar.

Camarate


Não tinha idade para pensar nestas coisas quando o Cessna em que seguia Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa se despenhou pouco depois de ter descolado.
Mas serem constituídas várias Comissões parlamentares de inquérito, ser aberto um processo judicial e tudo ser remetido para o pó do Arquivo, tudo terminar inconclusivo, sem o descanso e a dignidade merecida que só a certeza definitiva - de acidente ou atentado - podia trazer, é demasiado grave para que não se investigue mais o assunto, mesmo dentro da nossa endémica cultura de ausência de responsáveis.

"To sin by silence when we should protest
makes cowards out of men."

                                                                  - Ella Wheeler Wilcox
                                                         (in JFK, de Oliver Stone)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Na Apanha

(se não sabem já do que vou falar a seguir
é porque nunca fizeram uma)

Não fazemos isto porque seja giro ou por desporto. Não nos matamos ao fim-de-semana, com a sova que elas nos dão, para ganhar músculo ou para pagar o gasto que aquela quinta nos custa. Não nos esgatanhamos todos nos três fins-de-semana que ela dura quando trepamos às 300 oliveiras para ripar os últimos ramos por alguma espécie de karma ou se trate de cumprir uma promessa. Não é por isso que aceitamos ficar com dores nas costas durante sete dias (ou mais) que nos lembram todas as vezes que mil vezes nos dobrámos para recolher o panal, para estender o panal, para recolher o panal, para estender o panal, e apanha lá mais essa azeitona que está no caminho e não pode ficar fora da tulha.
Apanhamos a azeitona do Monte de Santiago porque é preciso. É simples.
Porque ninguém o faz por nós e não dá para aliviar as oliveiras de outra maneira. Porque é a única coisa que as nossas oliveiras nos dão e não a queremos ver no chão. Sem outra ajuda que as nossas mãos, as varas que se partem pelo caminho e as castanhas que a mãe assa no forno para distrair a fome durante o dia. Família no magusto.
E, por isso, todos os anos lá vamos. Há 16 que - a brincar a brincar - é metade da vida que tenho. Bolas !, que pensar nisto assim é dose dupla.
E todos ajudam. As miúdas com os tractores de brincar e o puto vão metendo uma azeitona ou outra para dentro do balde, misturando-as com as pedrinhas que também apanham. E até a mana que está grávida. Mas o cachorro (que já esteve em Lisboa) atrapalha quando se deita em cima do panal e quer brincar; o Socks para uns e Rafa para outros quando querem lembrar o velho cão da quinta.
Os homens varejam. O pai agora com uma vara mecânica com uma espécie de dedos na ponta e que empesta tudo a gasolina e dá cabo do silêncio e (quase) da conversa, mas despacha mais o serviço.
As mulheres vão ao rabisco e, as mais afoitas, também sobem às árvores. Depois de lhes malhar forte e feio, de quase ficarem podadas para o resto do ano, trepamos lá para cima onde desaparecemos no meio dos ramos de folhagem cerrada e ripamos o resto que não quis cair à primeira.
- Pai, se me dás com a vara, desço e temos uma conversa !
Às vezes, quando se cala o ripador mecânico, consegue-se ouvir o Charles Aznavour que pus na aparelhagem. Liguei as colunas e meti-as cá fora.
Este ano as árvores estão carregadas e a azeitona está boa, uma preta outra ainda verde, mas cheia. De água e óleo que é coisa que não gostam no lagar de Montemor. Pesa mais e têm que pagar mais. Uma Cooperativa que nunca paga muito porque nos come a maior parte e só paga nove cêntimos o kilo. Depois exportam o azeite para os Estados Unidos ou para a Europa com uns rótulos bonitos e cobram as garrafas a peso de ouro. Chulice do camandro. E depois ainda falam do comunismo...
Mas é isto que fazemos. Quando chega Novembro e com os olhos na serra do Monfurado. Até ficar noite e já não se ver mais nada. E depois, debaixo do holofote, ainda ensacar 800 ou mais kilos que este ano não deu para chegar à tonelada e meia. Para ter uns garrafões de azeite durante o ano que os pais vão distribuindo conforme se vai precisando.
(do primeiro rótulo de Azeite do Monte de Santiago)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

domingo, 28 de novembro de 2010

Found in Translation


(t-shirt em Hong-Kong)

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Mr. Bad Blake

"Vou viver para sempre. Vou atravessar aquele rio. Vou apanhar o amanhã agora."

Há crimes.
Como mandar um grande filme para o DVD sem passar nas salas de cinema. 
A extraordinária banda-sonora e os desempenhos de Jeff Bridges e Robert Duvall exigiam melhor.

"To the Virgins, To Make Much OF TIME"

(BB)
Gather ye rosebuds while ye may,

Old time is still a-flying :
And this same flower that smiles to-day
To-morrow will be dying.

The glorious lamp of heaven, the sun,
The higher he's a-getting,
The sooner will his race be run,
And nearer he's to setting.

That age is best which is the first,
When youth and blood are warmer ;
But being spent, the worse, and worst
Times still succeed the former.

Then be not coy, but use your time,
And while ye may go marry :
For having lost but once your prime
You may for ever tarry.

                                    Robert Herrick, 1648

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Parabéns atrasados

... que El Pibe fez 50 anos.


terça-feira, 23 de novembro de 2010

para a Catarina da Rússia



Avec le temps...
Avec le temps, va, tout s'en va

On oublie le visage et l'on oublie la voix
Le coeur quand ça bat plus, c'est pas la peine d'aller
Chercher plus loin, faut laisser faire et c'est très bien.
(...)

L'autre qu'on adorait, qu'on cherchait sous la pluie
L'autre qu'on devinait au détour d'un regard
Entre les mots, entre les lignes et sous le fard
D'un serment maquillé qui s'en va faire sa nuit
Avec le temps tout s'évanouit

Avec le temps, va, tout va bien

Léo Ferré


Quando era puto havia uma figura que me intrigava sempre que visitava a casa de um tio amigo em Carnaxide. Este meu tio tinha vivido algum tempo em Paris nos anos 60 ou 70 e tinha trazido um enorme poster que estava afixado na parede grande da sala.
Sempre que lá ia a casa enfrentava este poster, de que era impossível fugir. Era o poster de uma figura estranha. Um homem de cabelo branco comprido e encaracolado, com uma grande careca que mostrava a testa toda, e vestido de preto. Tinha um olhar perturbado. Parecia louco.
Eu pasmava em frente ao poster. Quem seria aquele homem ? Que faria ele, que teria feito ele, aquele louco sempre louco, para se pôr na sala de estar do meu tio tripeiro ? Que teria feito eu ? Acho que pensava que ele estava ali para me atormentar. Talvez para me lançar a mão se fizesse merda.
Quando se é puto estranhamos as pessoas que não são iguais às conhecidas e eu nunca tinha visto um homem de cabelo branco comprido e todo careca que não fosse louco ou vagabundo. E vestido de preto só podia ir para um enterro. O olhar amargo e que agora lhe digo sofrido compunham o ser louco daquela sala de estar.
Admirava-me ainda mais o meu tio ter um poster com a figura de um velho louco na sala de estar. E que estava ali para me atormentar. Isso era certo. 
Nunca tive coragem de lhe perguntar, ou sequer aos meus pais, quem era aquele senhor da sala de estar de Carnaxide. Acho que tinha medo que a resposta confirmasse aquilo que pensava.
Depois ele desapareceu.
Só muitos anos mais tarde, quando comecei a interessar-me por música, é que voltei a saber dele. Devo tê-lo visto na televisão. E então quis saber-lhe o nome.
Na altura ouvir uma voz que cantava perda, solidão, dor de quem ama e que o dizia em francês, era diferente de tudo o que tinha na prateleira. Era estranho, outra vez. 
Mas afinal o louco era um poeta. E compunha canções.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

4º Juízo Cível, 3ª Secção

(Aguiar Armando)

Cheguei antes da hora.
No 4º Juízo Cível, 3ª secção, do Tribunal da Comarca do Porto aguardo a chamada para a audiência.
Sentado no único lugar disponível, entretenho-me a folhear um jornal que comprei numa tabacaria da Gonçalo Cristóvão antes dali.
Espero o funcionário.
Começo a pensar no dia até aqui. Como é bonita a Estação de São Bento. Como nem reparam nela os passos apressados da gente que a vê todos os dias. Lembro-me dos pormenores. De passar no túnel. Da mãe que ia com as filhas e lhes diz que ordena: 
- Vejam, olhem para o rio. Vai aparecer outra vez. Viram ?
E as miúdas sorriem. O comboio chega e há um mergulho geral para a plataforma. Eu saio, mas páro. E olho. E vejo sapatos apressados. Não olham para a Estação. Não olham à volta. Para as lajes, para os bancos, para a estrutura. Para o fumo. Não escutam. Não cheiram.
Não sei onde é que vou comer desta vez. Faço os Aliados e reparo numa porta moderna, desses locais muito "fashion" que agora há, tipo lounge, tipo cool, de vasos altos cá fora. Ok. Os empregados recebem-me com cerimónia e vestidos de preto. Trazem-me logo a lista. Digo que estou com pressa e que tem de ser rápido. Frango à braz ? Pode ser. Nunca comi. Não deve ser pior do que o bacalhau. 
A raçãozinha cabe na toca de um dente. Não protesto. É da nova cozinha. É lounge, ou lá o que é, ou lá o que eles querem que seja. Não protesto. E o café veio quente.

Lembro-me que estou no Tribunal.
Chega o funcionário. Demora um século a dizer os nomes. Gagueja. Se gagueja ! Fecha os olhos para as palavras brotarem. Fica vermelho. Praticamente roxo. Transpira. As vísceras quase que rebentam pela boca. Caso brutal. Gagueja tanto que tenho que o ajudar a acabar o que quer dizer. Aquilo não é um funcionário. É uma tortura. Coitado do tipo que o puseram a chamar pessoas e a atender telefones na secretaria. Foi castigo.
Ao meu lado, duas testemunhas convencem-se do caso que as leva ali. Duas mulheres da Ribeira que falam em voz alta e com sotaque pronunciado. Divirto-me. Também ouviram a chamada. Comentam o funcionário (depois de ele sair):
- Que gago ! Deve ser bonito na cama. Primeiro que a gente perceba o que ele quer...

domingo, 21 de novembro de 2010

Cópia Certificada

Juliette, Juliette Binoche.
Não há filme que lhe resista. E eu também não, seguramente. Desde que a conheci em "A Insustentável Leveza do Ser". Há tantos anos. Devia ter uns treze. Há mulheres assim. De feitiço. Mas que não precisam de ser apenas muito belas para cativarem. Que têm tudo o que têm no olhar ou como dizem as coisas. Como sopram uma palavra ao ouvido. Como olham para as coisas. Como pairam na vida. Conquistam.
Juliette conquista. Acreditamos nesta mulher. Ela é a verdade. De Abbas Kiarostami.

sábado, 20 de novembro de 2010

Bíblia

Todos temos vícios.
O meu é esta.

Sempre cara com'ó caraças !
Mas a cada 15 dias lá me encaminho para o quiosque do costume com o dinheiro na mão. Passe-a para cá se faz favor. Obrigado.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tudo demasiado susceptível

Na Inglaterra, anda tudo doido.  E não é só por causa do noivado do herdeiro do trono real.

As autoridades publicitárias determinaram que este anúncio só passasse em horário nocturno por conter imagens sexualmente sugestivas.



Ao mesmo tempo o Serviço Nacional de Saúde inglês divulgou um vídeo destinado a encorajar os jovens a usar preservativo.
Só que agora são os pais a considerar o vídeo "pornográfico".



Não será a realidade bem mais pornográfica do que isto ?
Eu cá acho que a "lei seca" só dá em contrabando. E eu não gosto de contrabando. Mas faz-se.
Para a hipocrisia é que não há saco.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

P de prisões

"I hear the train a comin'
It's rollin' 'round the bend,
And I ain't seen the sunshine,
Since, I don't know when,
I'm stuck in Folsom Prison,
And time keeps draggin' on,
But that train keeps a-rollin',
On down to San Antone."
                                        Folsom Prison Blues


Em 1968, o tão perturbado quanto genial Johnny (rebelde) Cash tocou para uma plateia de presidiários. Foi em Folsom Prison, uma cadeia de alta segurança na Califórnia, não muito longe de Sacramento. Nessa noite não havia criminosos para Cash. Ele próprio um ex-presidiário, quis que fossem homens outra vez. E foram.
No ano seguinte, Cash foi a San Quentin, outra cadeia da Califórnia onde os condenados esperavam na death row.
Cash gravou os concertos e não editou nada. Todos os sons se podem escutar e não apenas a música. Portas que rangem, gradeadas. As vozes mortas daquele público miserável pedindo que toque o "Walk the Line". Quase sentimos o cheiro da cantina. Dos tabuleiros. Imaginamos. O toque para recolher. A contagem. Os guardas. As grilhetas. O passo lento da forma. As noites sempre iguais e intermináveis. E depois, uma última voz no silêncio: DEAD MAN WALKING. Nos altifalantes.
Johnny Cash voltaria mais tarde para outros concertos. Ficaram célebres. Mas longe de toda a história, houve homens. Condenados, assassinos terríveis, sanguinários, violadores, toxicómanos, psicopatas, gente capaz do pior que o homem pode, mas que nessas horas, tão breves que eram minutos, foram livres. Homens outra vez.

P de presidiária

(Lindsay Lohan)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

"The Americans", by Robert Frank



U.S. 285, New Mexico (1955)

"That crazy feeling in America when the sun is hot on the streets and music comes out of the jukebox or from a nearby funeral, that's what Robert Frank has captured in tremendous photographs taken as he traveled on the road around pratically forty-eight states in an old used car."
Jack Kerouac, Introduction


Se me dessem a escolher entre assistir à decadência do Estado social, à pré-falência da União Europeia, à patetice pegada de tudo quanto é político quando abre a boca, ao estado maravilhado e inimputável dos Bancos e dos garotos que brincam com o nosso dinheiro no jogo do Grande Casino Europeu, à batota geral de quem só se quer governar, a um debate ruidoso e feito de areia sentado no confortável sofá da sala, ao real nada,

e ir para a estrada, para esta estrada, perseguir o vivo, respirar o asfalto quente, pisado, rodado, tratado, e parar apenas para meter gasolina numa terra esquecida, longínqua, e beber depois um café com calma, conversar, com alguém com quem pudesse partilhar um cigarro e ver o dia nascer... ficava feliz. 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

no Coliseu de "Lisbon"




Assistir a um concerto dos Walkmen é presenciar o exorcismo de uma voz.
De como se expulsam demónios do corpo com ela.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O "Coronel Kurtz", outra vez

«I
Porque camandro é que não se fala nisto ? Começo a pensar que o milhão e quinhentos mil homens que passaram por África não existiram nunca e lhe estou contando uma espécie de romance de mau gosto impossível de acreditar, uma história inventada com que a comovo a fim de conseguir mais depressa (um terço de paleio, um terço de álcool, um terço de ternura, sabe como é ?) que você veja nascer comigo a manhã na claridade azul pálida que fura as persianas e sobe dos lençóis, revela a curva adormecida de uma nádega, um perfil de bruços no colchão, os nossos corpos confundidos num torpor sem mistério. Há quanto tempo não consigo dormir ? Entro na noite como um vagabundo furtivo com bilhete de segunda classe numa carruagem de primeira, passageiro clandestino dos meus desânimos encolhido numa inércia que me aproxima dos defuntos e que o vodka anima de um frenesim postiço e caprichoso, e as três da manhã vêem-me chegar aos bares ainda abertos, navegando nas águas paradas de quem não espera a surpresa de nenhum milagre, a equilibrar com dificuldade na boca o peso fingido de um sorriso.
(...)

estamos em 71, no Chiúme, e a minha filha acaba de nascer. Acaba de nascer e a essa hora as senhoras do Movimento Nacional Feminino  devem estar pensando em nós sob os capacetes marcianos dos secadores dos cabeleireiros, os patriotas da União Nacional pensam em nós comprando roupa interior preta, transparente, para as secretárias, a Mocidade Portuguesa pensa em nós preparando carinhosamente heróis que nos substituam, os homens de negócios pensam em nós fabricando material de guerra a preço módico, o Governo pensa em nós atribuindo pensões de miséria às mulheres dos soldados, e nós, mal agradecidos, alvos de tanto amor, saímos do arame em que apodrecemos para morrer por perversidade de mina ou emboscada, ou deixamos negligentemente filhos sem pais a quem ensinam a apontar com o dedo o nosso retrato ao lado da televisão, em salas de estar onde tão-pouco estivemos.»

(António Lobo Antunes, "Os Cus de Judas")

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Kennedy


50 anos. É o tempo que tem esta fotografia.
Olho bem para ela. Tem 50 anos. Não é muito tempo.
Kennedy venceu as presidenciais a Richard Nixon numas tangenciais eleições fez ontem 50 anos.
No discurso da vitória Kennedy compromete-se ao povo americano. Diz que o faz por um período longo, leio num jornal espanhol.
Olho bem para a fotografia porque Kennedy podia ter-lhe sobrevivido. Mais do que os escassos três anos que lhe destinaram. 50 anos não é muito tempo.
Kennedy da vida interrompida, das contradições, dos discursos que emocionam, que levantam, que motivam, que fazem acreditar.
Kennedy da Baía dos Porcos também, mas da Berlim ocidental, da democracia, da Liberdade. Da ambição. Pisar a Lua antes do fim da década.
Da coragem, que é de todas a virtude que mais admiro num homem.
Com uma coluna que o torturava, mas que nunca deixou que se dobrasse.
Dos nervos de aço. 13 dias para uma crise dos mísseis. E Khrushchev fora de Cuba.
E olho para a fotografia para me lembrar que estes anos da política à portuguesa estão mais distantes de mim que o Homem da Lua no princípio dos anos 60. Antes até.
E não acredito em ninguém, porque não há ninguém em Portugal.
E a nossa vida é curta.
Kennedy podia ter-lhe sobrevivido e ter tido mais tempo. E o irmão Bobby também.
Mas ter tempo é ter coragem.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Gaveta de papéis, de JL Peixoto



FOTOGRAFIA DO PORTO

O Porto é uma menina a falar-me de outra idade.
Quando olho para o Porto sinto que já não sou capaz
de entender a sua voz delicada e, só por ouvir, sou
um monstro que destrói. Mas os meus dedos são capazes
de tocar-lhe nos ombros, de afastar-lhe os cabelos.
Entre mim e o Porto, existem milímetros que são
muito maiores do que quilómetros, mesmo quando
os nossos lábios se tocam, sobretudo quando os nossos
lábios se tocam. De que poderíamos falar, eu e o Porto,
deitados na cama, a respirar, transpirados e nus?
Eis uma pergunta que nunca terá resposta.

JOSÉ LUÍS PEIXOTOin "Gaveta de Papéis" 

domingo, 7 de novembro de 2010

Mataram o Sofá Comunitário


(rasputine)

Mataram o Sofá Comunitário e só deixaram esta cadeira partida e desamparada. Vazia e desconjuntada.
E já acabaram com o "Kit Sofá" e é pena. Porque agora já não vou ver os namorados lá sentados ou antes de o serem. Porque tinha fugido ao destino que lhe era certo mas que, afinal, lhe esteve sempre condenado.
E agora já não vê o rio e a ponte e não respira.
E acabou a poesia que já não está na rua.
Pressinto que foi algum ciumento do teu romance que denunciou a tua ilegalidade e feiura às autoridades.
E vieram buscar-te a meio da noite para ninguém ver, num camião que não merece nome, para o amontoado que ninguém quer da lixeira comunitária.
Amanhece o dia.

sábado, 6 de novembro de 2010

Back to Back




Moral Risk: "It's not a matter of money. It's a game. Between people."

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

"Cat on a Hot Tin Roof" - Parte II (com Maggie, the Cat)

- He walked toward me... with a funny sort of smile on his face. Then he did the strangest thing. He kissed me. That was the first time he'd ever touched me. And then I knew what I was going to do. I'd get rid of Skipper.
I'd show Brick that their deep, true friendship was a big lie.
I'd prove it by showing... that Skipper would make love to his best friend's wife.
He didn't need any coaxing.
He was more than willing.
He even seemed to have the same idea.
- You're just trying to whitewash it.
- I'm not! I was trying to win back my husband. It didn't matter how. I would've done anything. Even that. But at the last second... I got panicky.
Supposing I lost you instead?
Supposing you'd hate me instead of Skipper?
So I ran.
- I have an announcement.

- What kind of an announcement?
- An announcement of life beginning. A child is coming... sired by Brick out of Maggie the cat. I have Brick's child in my body.
(...)
- You heard what Big Daddy said, "That girl's got life in her body."
- That's a lie!
- No. No, truth is something desperate, and Maggie's got it. Believe me, it is desperate, and she has got it.
(...)
- Thank you for keeping still. For backing me up in my lie.
- We are through with lies and liars in this house. Lock the door.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

"Cat on a Hot Tin Roof" - Parte I (com o pai)


- Yes, sir, I am an alcoholic. So, if you'll just excuse me.

- No, I won't!

- I'm waiting for that click... and I don't get it unless I'm alone!

- I'm not talking. When it's quiet!

- You'll hear plenty of that in the grave.

- Right now we're going to talk.

- This talk is like all the others. It gets nowhere and it's painful !

- Let it be painful.

- I can crawl and hop if I have to.

- If you aren't careful, you'll crawl out this family and be drinking on skid row.

- Yeah, that will come too.

- No. Now that I'm straightened out, I'm going to straighten you out. Sit down!

- It's no use. We talk in circles. We have nothing to say to each other!

- Where are you going?

- To get another bottle.

- No, you're not, you drunken whelp!

- Why are you shouting? I can't stand it!

- Get out of here! Leave us alone! Why do you drink?

- You had better know why you drink or give it up !


- Why do you drink?

- I stepped on that foot and now I'm in pain.

- Good ! At least you're not too numb... with liquor to feel pain. Why do you drink?

- Give me my crutch.

- Tell me first.

- No, give me a drink first.

- First you've got to tell me!

- All right! Disgust!

- Disgust with what?

- You strike a hard bargain.

- Boy, do you want liquor that bad?

- Yes, sir, I want liquor that bad.

- What are you disgusted with?


- Mendacity! Do you know what that is? It's lies and liars !

- Who's been lying to you? Maggie?

- No, not one lie or one person. The whole thing.