quarta-feira, 29 de agosto de 2018

'A Livraria', de Isabel Coixet





Quem ama os livros ama as livrarias. As casas deles. Guaridas a que não escapo ou resisto. Cá ou lá fora. Todas se possível. Para mim igual a catedrais. Ou lojas de brinquedos quando a gente era pequena. Tenho mau nariz mas é um cheiro que injecto. Papel encadernado como droga, colocado sobre móveis encerados. Depois vem o prazer de olhar para lombadas e lombadas. Entreter-me no meio das estantes. Pegar em volumes grossos ou folhear os de capa mole. Sentir-lhes o peso. Ler frases ao acaso ou na contra-capa. Procurar as que são flechas. Envenenadas de preferência. Descobrir nomes novos. Imagens novas. Lugares que nunca vi. Biografias. Cabeças com ideias em formato de letras. Ou em desenhos. Templos de corredores e corredores que contam histórias e segredos. Vidas ali inteirinhas que venceram a morte e onde às vezes só chegamos de escadote. Com os ponteiros a passar e os livros empilhados debaixo do braço. E depois ficar. Numa espécie de ressaca. Até que acordamos e dizemos "Bem, vamos embora".

Em Portugal há uma que já não é. Passou a museu de livros. E aos museus vai muita gente, que faz filas à porta e compra tickets e fala muito e se chama alto. Estão excitados  e vêm jactantes, e trazem máquinas, vouchers e mochilas, e dão-nos toques e empurram que estão com pressa. E querem ver. E os livros são tudo o que está a mais, ou são brindes que agarram para a selfie que precisam no insta ou no facebook daquele dia. Falam muito e muito alto. E eu já não consigo ler as frases ou ver as capas. Porque só oiço "maman, ici" ou qualquer coisa em japonês. E um sorriso é postado, enquanto compram canetinhas e postalinhos de recordação e nem percebem que com tanto flash nos furtam o silêncio que o livro quer para calar dentro de nós. 
A 'Lello', no Porto. Nunca mais lá tinha ido. Até diziam que ia falir. Mas voltei para a ver agora. Depois dos lonely planets e dos prémios todos e da febre das cidades de hoje. Que ordenam que se conheça a escadaria do Harry Potter, ou lá o que é. 
Fugi. Ninguém merece sufocar na claustrofobia de um espaço aberto.

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