quinta-feira, 5 de março de 2020

Chet


«Depois  de ter tocado algum tempo com o Vido, entrei na banda do Stan Getz; foi uma grande experiência. Nessa altura, eu ainda não estava viciado em heroína, mas já a experimentara algumas vezes, e geralmente, dado que nesse tempo a qualidade era mesmo boa, acabava sempre muito drogado e a vomitar as entranhas. Prometi-me vezes sem conta que não voltaria a tomar aquilo.

(...)
No Verão de 1952, cheguei certo dia a casa e encontrei um telegrama debaixo da porta. Era do Dick Bock, creio, e dizia que o Charlie Parker estava a fazer audições a trompetistas para uns concertos em clubes na Califórnia. A audição era nesse dia às três da tarde no Tiffany Club. Corri para lá, cheguei um bocadinho atrasado e, na rua, consegui ouvir o Bird enquanto ele revia uma música com um trompetista. Abrindo caminho pelo clube às escuras, consegui vê-lo no palco a voar pelos blues. Sentei-me um ou dois minutos, olhei à minha volta e reconheci muitos trompetistas e outras pessoas que eu conhecia que também tinham sabido que o Bird estaria ali. Vi alguém subir para o palco e dizer qualquer coisa ao Bird. Senti-me pouco à vontade e muito nervoso quando ele perguntou à assistência se eu estava lá e se podia subir e tocar alguma coisa com ele. Ele tinha passado por cima daqueles tipos todos, alguns deles com muito mais experiência do que eu e capazes de ler qualquer coisa que lhes fosse posta à frente.
Tocámos duas músicas. A primeira foi "The Song Is You" e depois um blues escrito por ele chamado "Cheryl", em G, que felizmente eu conhecia. Quando acabámos de tocar esta última, ele anunciou que a audição tinha acabado, agradeceu a presença de todos e disse-me que eu estava contratado. (...) O Bird era um instrumentista irrepreensível, e embora snifasse colheres de cocaína e bebesse litros de Hennessy, nada parecia ter grande efeito nele. A potência daquele homem impressionava-me. Tratava-me como um filho, afastando toda a gente que tentava oferecer-me alguma coisa.

(...)
Voltei a ser preso quando ia para Milwaukee, vindo de Chicago, depois de ter comprado droga. No carro, comigo, iam vários negros: um tipo e algumas miúdas. O tipo tinha acabado de sair da prisão onde cumprira uma pena de cinco anos. Fui separado deles e passei quatro dias terríveis na prisão de Waukegan, até a Halema pagar a fiança.
De regresso a Nova Iorque, fui preso no Harlem. Mais uma vez, saí sob fiança. Decidi dar entrada no Hospital Federal de Lexington. Ao fim de três dias de metadona, puseram-me no isolamento para toxicodependentes; vigiaram-me alguns dias e depois puseram-me na enfermaria-geral. Fiquei surpreendido por encontrar tantos tipos, especialmente músicos, que eu conhecia.»

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