terça-feira, 3 de agosto de 2021

A Ordem do Dia



«E foi assim que em Novembro de 1937, entre dois movimentos de irritação, depois de alguns protestos puramente formais a propósito da anexação do Sarre, da remilitarização da Renânia ou do bombardeamento de Guernica pela legião Condor, Halifax, lorde presidente do Conselho, foi à Alemanha, a título pessoal, a convite de Hermann Göring, ministro do Ar, comandante chefe da Luftwaffe, ministro do Reich para a floresta e a caça, presidente do defunto Reichstag - criador da Gestapo. Muita coisa na verdade, mas Halifax não manifesta qualquer surpresa, não lhe parece estranho aquele tipo lírico e truculento, notório antissemita, carregado de condecorações. E não se pode dizer que Halifax tenha sido aldrabado por alguém que escondia, que não tenha reparado nos trajes de dândi, nos infindáveis títulos, na retórica delirante, tenebrosa, na silhueta pançuda; não. Nessa época, já tinha passado muito tempo desde a reunião de 20 de Fevereiro, os nazis já se tinham deixado de comedimentos. Além disso, tinham ido juntos à caça, tinham rido, tinham jantado juntos; e Hermann Göring que não era parco em demonstrações de ternura e de simpatia, que tinha sonhado  ser actor e que à sua maneira acabara por sê-lo, deve ter-lhe dado palmadinhas no ombro, deve tê-lo trazido nas palminhas, ao bom do Halifax, e lançado em rosto um aranzel de sentido ambíguo, desses que deixam o destinatário desconcertado, pouco à vontade, como se de uma alusão sexual se tratasse. 

(...) Não era um ingénuo ou um amador, Halifax, e devia estar demasiado bem informado para não ter achado um pouco curioso aquele passeio, no decurso do qual os dois são vistos, num pequeno filme, a admirar o parque de bisontes onde Göring, furiosamente descontraído, providencia as suas lições de bem-estar. Não pode deixar de ver a estranha pequena pluma que tem no chapéu, a gola de pele, a gravata bizarra. Talvez Halifax goste também da caça, como gostava o pai, e nesse caso ter-se-á sentido bem na Schorfheide, mas é impossível que não tenha visto o estranho casaco de couro usado por Hermann Göring, nem o punhal à cintura, tal como não pode ter deixado de ouvir as alusões sinistras envoltas em gracejos licenciosos. Viu-o talvez atirar com arco, vestido de saltimbanco; viu sem dúvida os animais selvagens domesticados, o leãozinho a ir lamber o rosto do dono. E mesmo que não tenha visto nada disso, mesmo se se limitou a passar um tempo com Göring, ouviu seguramente falar dos imensos circuitos de comboiozinhos para crianças na cave da casa e ouviu-o fatalmente murmurar uma série de disparates esquisitos. E Halifax, a velha raposa, não pôde ignorar a sua egomania delirante; viu-o talvez mesmo largar bruscamente o volante do seu descapotável e gritar ao vento ! Sim, não pode ter deixado de adivinhar o núcleo aterrador, por sob a máscara pastosa e inchada. Além disso, avistou-se com o Führer; e também nesse caso será que Halifax não viu nada ? Ignorando as reservas de Eden, chegou ao ponto de dar a entender a Hitler que as pretensões alemãs relativas à Áustria e a uma parte da Checoslováquia não pareciam ilegítimas ao governo de Sua Majestade, desde que isso ocorresse em paz e em concertação.»

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