sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Os telhados de Lisboa III



Adorava, mas não podia. No estrangeiro. 
Respondia quando lhe perguntavam se era capaz de viver fora de Lisboa.
Às vezes até bebia o perfume venenoso das outras. De Nova Iorque que não se cala, ou de Paris que é sempre linda. Também Roma por parecer tanto connosco ou (sonho !) Buenos Aires se pudesse viver sempre apaixonado.
E por isso adorava, mas não podia.
Não podia deixar Lisboa, renegar a única cidade que era sua. A sua. Porque só pensava na falta que lhe fazia só a ideia. Nesse quase terror de ficar sem ela.
Deitar junto ao rio. Na rua que à noite sobe ao Chiado, e que desce durante o dia para o Cais do Sodré. A rua de arbusto. De hotel. Do Alecrim. Não a podia perder.

Acordar nos telhados de Lisboa. Ao lado dela. Ficar sem os telhados. Sem os bocados que conhecia, estes bocados que trepam uns pelos outros. Onde gosta de trepar. Que sempre trepou. Aliás, adorava telhados. Desde pequeno. Mas só os telhados que vêem luas, que sabem cantar e dizer poemas. Que bebem e também choram. Não podia. Que fazia depois ?
Onde escorregava depois ? Onde é que depois deslizava nas ruas enoveladas da Mouraria ?, que metem para a Graça que avista tudo e é da Sophia, e dão no Chapitô. Que desaguam depois para os lados, para baixo, para a Baixa, e sobem outra vez pela Nova do Almada, das livrarias, do velho Tribunal da Boa Hora, das lojas néons, de hotel com vista para a cidade, para parar e beber ali ao final da tarde, no Largo Camões.
Perder o calor quando é verão e a luz que ela expulsa, que ela expulsa. Que despeja. Que vem da limpeza respirada do oceano. 
E perder a torta Calçada do Combro onde à esquerda repousa um Adamastor cheio de barbas.
Lisboa. Belém tão boa de manhã. E a Marginal ? dos comboios sempre ao lado, a chegarem sempre primeiro, onde ficava depois ?
Isto é amor. E, por isso, embora às vezes sofresse do mal de todos os viajantes quando regressam a casa, a saudade do charme (impulso de partir) que o exotismo viperino do novo todavia nos lança, não podia. Gostava demasiado dela.


1 comentário:

Are You talkin' to Me ?