quinta-feira, 27 de abril de 2023

o teatro do absurdo


 «O futebol é drama. As pessoas estão sempre a dizer isto. Com a importante ressalva de que, em minha opinião, o futebol é um drama mais autêntico do que o teatro. Se o teatro tem vindo a ossificar-se tristemente e a morrer lentamente ao longo do último século, apesar dos esforços heróicos de dramaturgos como Brecht, Artaud, Grotowski, Peter Brook, Richard Schechner e outros, declinando numa espécie de consolação para a sentimentalidade liberal, então o drama vive no e enquanto futebol.
Vigorosas asserções do "The Living Theatre", como com o grupo homónimo que foi fundado em Nova Iorque em 1947 e ainda hoje continua, são a prova paradoxal de que o teatro está a morrer, cumprindo o mesmo destino da ópera. O futebol não é apenas a analogia mais próxima da experiência do antigo teatro de Atenas ou Epidauro, onde as audiências dos festivais dramáticos chegavam possivelmente aos 15 mil ou 18 mil espectadores. Ele é caracterizado pelo mesmo traço básico que o define: o destino. Não é que o futebol seja a única modalidade desportiva, o que obviamente não é verdade, mas antes que realmente não é de todo uma modalidade desportiva no sentido habitual. Como me disse certa vez o crítico de arte e adepto do Liverpool Hal Foster, o futebol é o palco em que se resolvem as por vezes obscuras operações do destino, especialmente o destino nacional, especialmente quando vemos a selecção de Inglaterra a arrastar-se em mais um torneio internacional antes de cometer um qualquer suicídio colectivo, muito recentemente por 2-1 contra a Islândia no Campeonato Europeu de 2016. O futebol é um teatro de identidade - família, tribo, cidade, nação. Mas é a apresentação da identidade nas suas formas sempre tortuosas, complicadas, aluídas e retorcidas. O futebol é o teatro da diferenciação da identidade que se encena a si mesmo com os jogadores e os adeptos a representarem o seu drama sob a vigilância das forças do destino. É a este fatídico drama que nós nos submetemos livremente ao assistir a um jogo.»

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