«O guarda teve uma explosão de cólera:
- Vai-se já ver se não sabes cantar, comunista de merda.
Abriu a porta, toda a gente se pôs de pé. O guarda agarrou Ilario Da pelo braço. Puxava-o para o corredor quando se ouviu da cela uma voz que subia. Era um tango. Era o Volver de Carlos Gardel. Aquela voz solitária era de Carmelo Divino Rojas que, apesar da fraqueza do seu estado, tinha aproximado a cara das grades para que o seu canto inundasse as celas. Outras vozes se juntaram à sua e a Villa Grimaldi, pelo espaço de um instante, mergulhou num recolhimento profundo para escutar aquela música, e pareceu a Ilario Da que não os tinham ainda completamente matado, que eram capazes ainda de elevar por cima das paredes, por cima dos arames farpados, por cima das ligaduras, o mesmo sonho que fala de um regresso e de uma testa envelhecida. Ilario Da endireitou-se quando lhe chegou, no meio da barulheira, no brusco grito de uma outra rixa, uma outra voz, a de um velho que era levado. Um guarda insistia em conhecer o esconderijo do filho dele, mas ele resistia, negava tudo. Caíram-lhe em cima vários polícias com as suas matracas. Toda a gente percebeu que era o pai de Julián, alto dirigente do MIR, procurado em todo o país desde o 11 de Setembro. Ao cabo de uma meia hora o velho foi atirado para a cabana e fecharam o cadeado com violência. Tranquilamente, sentou-se na cadeira mais próxima da porta.
- De qualquer maneira - disse ele -, não tinha previsto sair hoje.»
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