"Não quereria morrer
antes de ver os cães negros do México
que dormem sem sonhar,
os macacos de rabo ao léu e devoradores dos trópicos,
as aranhas prateadas de ninhos recheados de bolhas.
Não quero morrer
sem saber se a lua, sob o seu falso ar de duna,
tem um lado bicudo,
se as quatro estações são realmente só quatro,
se o sol é frio,
sem ter percorrido com um vestido os Grands Boulevards,
sem ter espreitado um buraco de esgoto,
sem ter enfiado a pila em sítios esquisitos.
Não queria acabar
sem conhecer a lepra e as sete doenças que lá se apanham.
Nem o bem e o mal me causariam desgosto
se soubesse que com eles poderia lucrar.
Há também tudo o que conheço
tudo o que aprecio,
que sei me agradar.
O fundo verde do mar
onde valsejam talos de alga sobre areia ondulada,
a erva seca de Junho,
a terra estalada,
o odor das coníferas
e os beijos salgados a isto ou aquilo,
a beldade que ali está,
o meu ursinho, a Ursula.
Não quereria morrer
sem ter consumido a sua boca com a minha,
o seu corpo com as minhas mãos,
o resto com os meus olhos.
E mais não digo,
há que ser reverente.
Não queria acabar
antes de rosas eternas serem inventadas,
o dia com duas horas,
o mar nas montanhas
e as montanhas no mar,
jornais a cores,
o fim das dores,
todas as crianças contentes.
Não quereria morrer,
não senhor, não senhora,
antes de ter experimentado o gosto que me atormenta,
o gosto mais forte.
Não quereria morrer
sem ter experimentado
o fervor do amor."
* poema de Boris Vian,
na versão de Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant)
«Os melhores Anos da nossa Vida»
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