quarta-feira, 27 de abril de 2022

Chicando


«Da calçada da praia do Leme vejo meu irmão partir em velocidade com a bola a saltitar dos calcanhares para as coxas, ou de um ombro para o outro, ou equilibrada na cabeça a modo de foca. Recentemente ele até inventou de correr com o corpo todo arqueado para trás, prendendo a pelota com o queixo contra o peito, mas esse lance o juiz impugnou em nome do fair play. No futebol de praia é pecado deixar cair a bola, que a areia fofa amortece, e cansei de ver meu irmão atravessar o campo de gol a gol com tais malabarismos. Só seria possível desarmá-lo apelando para faltas grosseiras, com trancos e empurrões, mas o tronco largo e as coxas musculosas asseguram sua estabilidade. Rasteiras e carrinhos tampouco funcionam, porque seus pés lépidos e voláteis. Resta o recurso de agarrar meu irmão pelos cabelos, que ele usa compridos para ficar meio argentino, conforme me disse um dia no ônibus. Ele me permite acompanhá-lo na ida e na volta da praia, contanto que eu não me identifique como irmão, pois acha ridículo ter parentes ou namoradas na torcida.»

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