domingo, 1 de maio de 2022

teen spirit


«O espaço onde ensaiávamos era uma estrutura semelhante a um celeiro que fora convertido num estúdio de demos, trinta minutos a norte de Olympia, num subúrbio de Tacoma. Um simples degrau acima de uma cave velha e húmida, com aquecimento e um pequeno sistema de som (sem falar numa daquelas alcatifas felpudas de gosto bastante duvidoso), pelo que servia bem para as nossas simples necessidades. O Kurt e eu fazíamos animadamente aquele percurso cinco dias por semana num Datsun B210 que, sabe-se lá como, lhe tinha sido oferecido por uma senhora de idade, mal conseguindo subir a Interstate 5 sem que as rodas caíssem (o que, de facto, aconteceu com uma delas, as porcas espalhadas pelo acesso de gravilha no meio da escuridão). A nossa música era a única coisa que desviava os meus pensamentos dos senãos daquela nova vida que abraçara, a única coisa que fazia com que tudo valesse a pena.

(...) Enquanto o longo inverno se transformava em primavera, passámos incontáveis horas neste estúdio a preparar canções para aquele que viria a ser o álbum agora conhecido como Nevermind.

(...) À semelhança de todos os outros concertos dos Nirvana em que toquei, foi praticamente transcendente. Mas, em vez de nos limitarmos às canções já editadas, de confiança, naquela noite decidimos experimentar uma que ninguém naquela sala ouvira antes. Uma canção escrita durante o inverno naquele pequeno celeiro frio em Tacoma. O Kurt aproximou-se do microfone e anunciou:
- Esta canção chama-se "Smells Like Teen Spirit".

Nem um pio. Então, o Kurt lançou-se no riff de abertura e, quando o Krist e eu arrancámos com a canção, a sala veio abaixo. Corpos aos saltos, gente em cima de gente, um mar de ganga e flanela suada à nossa frente. Tranquilizante, para dizer o mínimo, e sem dúvida não a reação com que contávamos (embora certamente tivéssemos a esperança de que assim fosse). Não se tratava de uma canção nova "comum". Aquilo era outra coisa. E talvez, apenas talvez, todos aqueles meses a passar fome, a gelar, com saudades dos meus amigos e família na Virgínia enquanto sofria com o opressivo inverno do Noroeste Pacífico naquele minúsculo apartamento imundo, tivessem sido um teste à minha força e perseverança, a música sendo o meu único consolo e recompensa. Talvez aquilo fosse suficiente. Talvez aquele mar de ganga e flanela suada à beira do palco fosse tudo aquilo de que precisava para sobreviver. Se tudo tivesse acabado ali, talvez tivesse voltado alegremente para a Virgínia como um homem mudado.

Enquanto o Kurt e eu enchíamos o velho Datsun para a viagem até Los Angeles, lá no fundo, sabia que não ia voltar. Com a mochila de viagem ao ombro, olhei uma última vez para aquela minúscula divisão à qual chamara casa nos sete meses anteriores, tentando gravar cada pormenor na minha mente, para nunca perder a memória nem a importância daquele lugar na minha vida. Para garantir que o que quer que viesse nos próximos tempos tinha sido construído ali. E, quando fechei a porta para sair, o meu coração estava de novo a explodir com uma sensação de finalidade, como uma agulha a cravar-se na pele, a deixar memórias esborratadas de momentos que nunca hão de desaparecer.»

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