segunda-feira, 26 de julho de 2010

O meu pequeno índio

('Fort Wheeling', Hugo Pratt)

Se os teus pais fossem índios, terias nascido índio, serias um menino índio, a correr na pradaria. Atrás de um cão ou de um gato. Terias nome de índio. Serias o Todo-Sorrisos.
Porque tu, rapaz, tu és todo alegria. Não há dia que não te apanhe de manhã sem te ver logo feliz. Com os teus olhinhos negros. Com esses caracolinhos levados que foste buscar talvez ao Avô Luís. Com tudo. Ou quando chego a casa e te me vens agarrar, todo brilho. Radiante. Puto: és tramado. Um mistério ainda para mim.
Não és índio. Mas és.
Um pequeno patife incapaz de parar, um pirata que só sossega quando o cansaço é já demais. Um rapazinho fascinado pelos discos do pai que insiste em tirar do sítio. Pelos livros espalhados pela casa que só estão bem quando os pões no chão. Um malandro que já chutas na bola e adoras tomadas... e os brinquedos que apanhas da mana, e as folhas das plantas, que arrancas à bruta, e as portas dos armários que tens de abrir (150 vezes) e tirar tudo o que vês lá dentro. E trepar a tudo o que é alto. E abanar e fazer barulho. E as cordas da minha guitarra eléctrica.
Apanhei-te, meu pequeno guerreiro, a dar cabeçadas na porta de vidro que dá para a varanda. Como te rias ! Até doer. Mas que diabo fazias tu, miúdo ? E quando reparaste que tinhas a plateia da tua irmã, repetias a brincadeira. Tive que te pegar e tirar dali, para não ficares com um alto na testa.
Não enganas ninguém, rapaz com feitio. Brigas se as meninas mais velhas da casa se metem à toa contigo. E reclamas, e protestas e elas vêem que é a sério. E já não te tiram o que guardas na mão.
Tu que és o Todo-Sorrisos, com nome do último rei dos Visigodos.

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