segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os telhados de Lisboa II


Não era sexta-feira, mas eram sete da tarde, a melhor hora para me pôr a milhas do escritório nesta altura do ano. Faz algum calor e a nova 125 está ansiosa.
Tanto tempo, pá! Oh, oh, já a formiga tem catarro. Ainda nem tem uma semana e já reclama. Gosto disso.
Ligo-a e fecho os olhos. Assim, sim. Mais calminha. Como um gato. A ronronar. Para onde é que vou, pergunto. Rua da Escola Politécnica, ó babaca. Ok, garota, mas sossega. Um bocado nervosa, não serás ? Despachada mas é. Toca a andar. Sim, mas pela Rosa Araújo e depois pela rua de S. Mamede. Tanto faz, quero é deixar este coito onde me deixaste à seca.
Rua da Escola Politécnica. Esta gosta de mim.
Lá vai a pretinha 125. A flanar. Mas voraz a menina.
Paro de repente no miradouro de São Pedro de Alcântara, ao Príncipe Real ou ao BA. É igual. Depende de onde se vem. Está cheio de gente. Já não vou pr'ó Chiado. É aqui que fico.
Subo o passeio e encosto a mota às que chegaram primeiro. Combinam bem neste sítio.
No centro do jardim instalou-se uma Big Band. Do Hot Clube, acho. Do prédio que ardeu e que entaiparam. É mesmo aqui que fico. Tocam um jazz simpático. Não compromete, não brilha, não inventa, mas ouve bem que é o que conta.
Reconheço os clássicos todos. Be-bop e swing. Temas do Duke (Ellington), Benny Goodman e Harry James. Esticam-se os trombones, sobem os clarinetes, levantam-se os trompetes. O piano continua sentado a mandar teclas.
Viro-me de costas, para o lado que dá para o Castelo e para a Sé. Estão lá. Descanso os cotovelos no gradeamento. O Zippo acende-me o cigarro que me saltou para os dedos.
Olha ! Os telhados desalinhados e desarrumados de Lisboa. Uns por cima dos outros. Parece que trepam, e eu acho sempre que falam comigo. Olha ! E eu olho.
O fumo está a incomodar um careca que veio pôr-se aqui. Estamos ao ar livre mas o chato do caraças nem sequer disfarça. Como não estou para aturar as suas mãozinhas a dar a dar, afasto-me e encontro o candeeiro perfeito.
Há um banco em frente onde se sentaram um marido e uma mulher. Devem ser franceses. 50 anos talvez, que o cabelo está quase todo branco e as rugas percebem-se bem. Dão-se o braço. Ele ampara uma Canon com tele-objectiva. Ela olha para mim encostado ao candeeiro e comenta qualquer coisa ao ouvido dele.
Passa agora um fresco que me atira o cabelo para a vista. E passam vestidos e muitas alças e alcinhas. Chispam mas não faíscam. Passam vestidos e sandálias que chispam. Mas não faíscam.
Só oiço francês. E pés a dançar.
'Take the A-Train'. Estes acordes acordam-me. Decido virar-me de novo para trás, onde já não está o chatinho dos bracinhos a dar a dar, para onde se acalmam os telhados de Lisboa, já todos encaixados. 
Chegam dois amigos. Olá, pá.

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