terça-feira, 21 de dezembro de 2010

10 anos


Passaram 10 anos. De processos.
Tinha falado em fazer o estágio com o meu tio. Acabou por não ser. Talvez lançar-me sem a ajudinha da família. E tinham-me chamado de outros lados. Setembro depois do último inter-rail.
Lembro-me de ir às entrevistas. Primeiro uma. Depois outra. Pontual, claro. Protestar com uma secretária porque me estavam a deixar à espera e tinha outras coisas para fazer.
Perguntarem-me porque é que não ia para dentista, que lá é que se fazia dinheiro a sério. Que eles é que tinham porsches estacionados à porta do consultório. Que não. Queria advogar. Queria a responsabilidade. Toda, se possível. Para poder mudar. Resolver. Lutar contra quem se metia com os outros. Que era como se fosse comigo. Que me pelava poder dar a volta a uma questão. "Enganar o Juiz, não é ?" Isso.
Entrei. No primeiro dia, um uísque no Saraiva's. 
Não sabia nada disto. Até começar a mexer.
Também da vida. Da vida a sério. Dos problemas. A sério. E fui para a Barra. Argumentar. De Norte a Sul. Para o jogo que é mais que um jogo. Mexendo. Sem medo dos mais velhos. Para o meio das centenas de papéis. Para o mundo torto e desbalançado. A olhar de frente juízes e procuradores, "que sou beirão!". Convencer que tinha razão. "Falas bem.", "Tens jeito.", ouvi. "É da toga. Já vem ensinada.", respondia.
E a cada caso novo, uma renovada vontade de ganhar. Não ganhar por ganhar. Não ganhar para fazer tocar o sino que tinha instalado na dobra de uma esquina do escritório para isso mesmo. Ganhar para ficar de bem comigo. Para poder dormir descansado. "Hoje fiz bem." Para saber que tinha contribuído com um verso, como dizia o meu padrinho Walt Whitman.
Perder. Nesses dias, que não eram só os dias em que recebia a notícia, tudo custava o dobro. Mas pegava outra vez na caneta e recurso para cima, "que a gente só recua para tomar balanço". Alguma vezes sem fé nenhuma, achando mesmo que era impossível, porque na minha cabeça não a tinha.
Mas, surpresa. Os tribunais de cima mudavam a decisão de baixo. Como ? Como, se não tinha direito ? Como, se não tinha razão ?
Porque este mundo é torto e desbalançado. Porque tinha enganado os Desembargadores. Ou se calhar, não. Talvez tivesse mesmo razão e achasse que não.
Ou então tudo estava na convicção. "Eu não quero que me diga a verdade. Só quero que me conte uma história em que acredite." dizia o meu Avô quando era Advogado em Celorico de Basto. O Avô de quem herdei uma caneta, os livros e a primeira toga. Convicção, é isso. Não há verdade neste mundo. A verdade é para Deus.
Hoje, parece que não passou mais do que um ano. Sei mais um bocadinho. Continuo a querer a responsabilidade. A aprender tudo o que posso. A beber tudo o que aguento. Ganhar dura pouco, umas horas no máximo. Perder... mais um cabelo branco. 
E embora não possa deixar um edifício levantado, ou um quadro pintado, e tudo o que diga não faça sequer eco nas paredes, e tudo o que escreva se encha de pó no arquivo, afio a caneta. Olho para a toga, e escrevo.

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