«Não há resposta científica para algo que decorre da fé. O facto de
eu não ter religião, e de pensar que a religião é um produto dos homens,
permite-me ter a distância que de algum modo um jornalista pode ter. Não parto
para a análise da religião com um "parti pris" de ateu. Parto para a
análise da religião como fenómeno humano, que é o que me interessa.
As religiões são profundamente desconhecedoras
das suas vizinhas. Os sunitas desconhecem tanto os xiitas quanto os católicos
desconhecem os protestantes. Em Alepo, em 2007, num encontro ecuménico, defendi
isto: pelo menos podemos concordar que o homem inventa Deus à sua semelhança. E
no fim eles declararam-me crente: você acredita no homem. E eu disse que sim.
Tive que dizer. Mas, de facto, hoje não tenho uma crença particular no homem.
Transitei do cristianismo para o marxismo bastando-me acreditar no homem.
Substituí uma crença por outra. E hoje estou convencido de que o homem é capaz
do pior e do melhor, e que não há nenhum destino escrito. Não há uma bondade
inata que, no fim, triunfe sobre o mal. É possível, aliás, que o mal triunfe.
Tenho a certeza absoluta que se quiser algum bem tenho que lutar muito, e que
vale a pena fazê-lo. Mas hoje a minha relação com a crença na humanidade
resume-se a quase uma atitude egoísta: poder chegar ao fim da vida e achar que,
apesar de tudo, fui útil, não sacaneei o próximo, não fiz coisas de que me
tenha mesmo que arrepender. Que a minha vida teve algum sentido - e só entendo
a minha vida com outros.»
ENTREVISTA: Alexandra Lucas
Coelho, no lançamento do livro 'Périplo'
ípsilon 11.06.09
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