sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Solo Quiero Caminar




Para mim, Paco de Lucía eram tardes brutais de calor quase demente no Alentejo quando o pai colocava o jovem Paco (de 1965) a interpretar as 12 canções de Garcia Lorca para guitarra com Ricardo Modrego. Ou o disco que dedicou à mãe Luzia, filha portuguesa de Castro Marim. 
Era chegar a Madrid e enfiar-me com Ela na feira del Rastro, e comprar logo o CD que o Pepe, atrás da sua banqueta, punha nos altifalantes com o 'Entre Dos Aguas' em repeat para todos ouvirem, e invejarmos essa vida.
Era escutar bem aquele dedilhar sagrado e feroz nas noites em Espanha, na varanda da casa da praia. Era o caminho para Sevilha e lá chegar com o rádio a chorar o concerto de Aranjuez. Era toda essa imensa Andaluzia que adoramos palmilhar e que também é nossa.
Era, enfim, o 'Mediterranean Sundance', executado pelo melhor trio do mundo. Acho que foi quando ouvi pela primeira vez o "Friday Night in San Francisco" (com Di Meola e McLaughlin) que me apaixonei pela guitarra clássica. Acho que foi sentir-me perfurado por aqueles três virtuosos da guitarra que iam dando a vez entre si para o seguinte brilhar mais. Acho que foi isso que me fez querer aprender a tocar guitarra e perceber que nunca podia chegar a esse Olimpo. Já lá vão mais de 20 anos. Mas podia amar. Ao ponto de em Granada comprar um conjunto de cordas só porque eram recomendadas pelo maior.
Paco de Lucía era um Deus. Um Deus incarnado nos dedos e feito homem que brotou da terra, para se tornar o monstro gitano que se mesclava com outros géneros e instrumentos suando o som limite das suas cordas, enquanto sentava numa cadeira de verga.
Obrigado mestre, pois é hora de agradecer, pelas duas horas de paixão flamenca que me ancoraste no coração quando vieste à nossa praça de touros do Campo Pequeno. Tu que, como dizias, sofrias para dares à luz o som da tua música, mas que era mesmo assim e só podia ser assim.
Vão-se os heróis. E eu só pergunto se estão à espera que a gente avance para os seus lugares.


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