terça-feira, 28 de abril de 2015

Ciclo Rossellini no Nimas



«17 de Novembro de 1973 foi a noite da mais memorável sessão de cinema do meu filme da vida. Nunca tive outra igual e duvido que venha a ter. Passou-se, ou fixou-se, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian e o filme projectado na tela chama-se Roma Città Aperta. [...]
Quando Rossellini chegou à Gulbenkian, não cabia na sala um alfinete. (...) Não se ouviu uma mosca durante os 100 minutos de projecção do filme (...) Quando apareceu na tela a palavra "fim", a sala levantou-se em peso para a maior ovação de que me recordo em sessões de cinema. No palco, Rossellini "com uma emoção que não disfarçava, mas também não exibia" como escreveu Helena Vaz da Silva no dia seguinte, esperou 10 minutos (não exagero) antes de conseguir agradecer. 10 minutos em que os "bravos" deram lugar a distintíssimos brados do género: "Abaixo o fascismo" ou "Liberdade, liberdade". [...] à saída as pessoas abraçavam-se e muitas choravam. Quem não esteve lá nunca imaginará. [...] Rossellini estava espantadissimo. O filme tinha tido acolhimentos desses, mas em 45 ou 46, no fim da guerra e do fascismo em Itália. Vinte e oito anos depois que "aquilo" ainda funcionasse assim, parecia-lhe da ordem do inexplicável. "Que país era este?" Lá lhe expliquei como pude. Foi então que Langlois, mais frio, me disse que o país podia ser assim ou assado, mas dentro de bem pouco tempo muitas coisas se iriam passar aqui.
Habituado, há vinte anos, a frases dessas, respondi-lhe com enorme cepticismo. Alguns meses depois, a seguir ao 25 de Abril, lembrei-me desse comentário e perguntei-lhe porque é que ele tinha dito aquilo, como é que tinha adivinhado, "Sabe"- ripostou-me - "o cinema mudo ensinou-me a ver muito". Não foi a algazarra  que me impressionou, mas as caras das pessoas. As caras dos maus e as caras dos bons." E repetiu, a rir-se: "Le cinéma muet, le cinéma muet"

João Bénard da Costa, Os Filmes da Minha Vida, Os Meus Filmes da Vida,
Assirio & Alvim


NB: Não estive na Gulbenkian em 1973. Não era vivo sequer. Todas as memórias que tenho do 25 de Abril derivam do que os Pais sempre me contaram, do antes e depois, do que li nos livros de História e das imagens que vi em documentários ao longo de 37 anos, tudo se sobrepondo num enorme cabaz heróico que é o meu próprio imaginário. Não vivi, por isso, este momento mágico que Bénard da Costa relatou.
Mas fui hoje ao Nimas, recuperar a versão restaurada de uma história contada por um Mestre contador que é bem de ir às lágrimas. A grande Anna Magnani, no papel dessa mulher latina e honrada que tudo sacrifica pela família, pelo amor e pela pátria. O padre Don Pietro, homem da Resistência à ocupação nazi, pedindo a Deus que amaldiçoe os verdugos que torturam até à morte Giorgio Manfredi. As crianças e o futuro da cidade eterna.

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