Há um descampado no Restelo.
Um descampado. Um quadrado de terreno de quase ninguém e que conseguiu fugir à construção e às ideias revolucionárias. Quase um baldio. Onde as pessoas levam os cães a fazer cócó.
Esse descampado, onde crescem ervas rebeldes e sem regras, em frente à minha janela, ninguém parece que o quer e, no entanto, todos lá vão. Parece eternamente esquecido pelas imobiliárias, ou embargado (mas não há cartazes que o anunciem) e pela Câmara que não vê ali um jardim, nem se lembra.
Mas agora este quadrado de terreno, quase um baldio, tem um Sofá. Velho, coçado, rasgado e com molas soltas.
Tem nele escrito o nome de "Kit Sofá".
Apareceu um dia, levado talvez por alguém que achava que era melhor ali. Do que numa lixeira ou, como dizem agora, num aterro. E como niguém parece que queria o descampado, foi para ali.
O baldio, afinal chamo-lhe baldio, é em desnível. Um pequeno monte em cima de rocha em frente à minha janela.
E o Sofá agora instalado, repimpado, salvo da morte que os outros móveis da casa lhe adivinhavam, no cimo deste monte, olha para todo o lado e vê a ponte e rio.
E eu entretenho-me a ver os putos ir para lá, para cima do Sofá. O Sofá Comunitário. Onde, outras vezes, param casalinhos de namorados, ou antes de o serem, deixando morrer o tempo que têm de sobra, depois de uma balda às aulas da tarde. E miúdas que vão falar dos rapazes.
Gosto deste Sofá. Da sua poesia, da sua vontade. De ter contrariado o destino que era devido, do que está usado e já não serve. Afinal serve.
No meio da cidade, no meio da capital, no meio do meu bairro.
(rasputine)
P.S. Hoje acordei e já lhe tinha nascido uma mesa e um colchão com o símbolo do Woodstock para companhia. Qualquer dia temos uma sala completa, com cortinados e tudo. E isso é lindo !
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